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Refestelado, neste sofá cor-de-rosa, na sala opaca desta estrela flácida, permissiva e fofa
Avalio as carnes pútridas e maquiadas, expostas na vitrine resplandecente da livraria, a enfeitar suas prateleiras ricamente iluminadas:
Jovens promessas a carregar velhas cruzes, cingidas com vulgar elegância às ilhargas fartas e dolentes.
Vistosas e mentirosas matronas espreitam-nos das capas duras; rufiões deformados propõem-nos, em páginas faiscantes, mentiras inconseqüentes
– suficientes razões prá se perder o tesão por esta vida que faz absoluta questão de ser insalubre e balofa.
As palavras, necessárias e escamoteadas, espicaçam-nos como punhais afiados: em cada verso ou prosa escrito, franco-atiradoras, alvejam-nos;
A exorcizar o medo da morte ainda em vida, a fazer-nos expectorar o que nos empulha o ventre; a afastar-nos dessa estrada em ruínas que nos leva de lugar nenhum para o Nada.
Já se faz madrugada na casa mal-assombrada: verdades acorrentadas clamam em poemas inodoros, a arrastar-se em escuras masmorras secretas
Enquanto o menestrel se enfeita, diante do espelho embaçado, com sua peruca empoada, ecoa um grito de gozo, clamor de lobo ferido, a emudecer a pregação do inquisitorial anacoreta
Das palavras exatas, desses punhais impiedosos e assassinos, a nossa persona, fugidia e melíflua, borra-se de medo de ser posta verdadeira e saudavelmente a nu.
A Palavra, mais a escrita que a falada, assemelha-se-me a um escafandro, a um muro de proteção que colocamos em torno de nossos pensamentos - estes sim, intrépidos guerreiros a se expor, destemidos, na esgrima da vida cotidiana.
Terras de São Paulo, manhã de uma Terça-Feira de meados de Abril de 2011, um dia em que o pôr-do-sol promete agonizar ainda mais.
João Bosco