Lágrimas Noturnas
O que são essas lágrimas
Que molham de repente
Meu rosto há tanto seco?
Não estou triste
Embora tampouco esteja feliz
Estou apenas viva
Como se isso não significasse grande coisa
Não queria chorar
Mas sinto um aperto inexplicável no peito
Como se alguma variável
Houvesse saído de seu lugar
E perturbado meu sereno equilíbrio
Não consigo encontrar o erro
Ou mesmo apontar o culpado
É só um sentimento deslocado
Que talvez se vá
Tão repentinamente quanto veio
Pode ser que não haja nada a sentir
E essas lágrimas expressem revoltosas
Essa ausência de sentimento
Algo em mim talvez queira sentir
Embora não seja capaz de me dar uma boa razão
Talvez seja apenas essa lua brilhante
E essa solidão com aroma de conhaque
Que fazem tudo parecer confuso
Quando na verdade não há nada o que entender
Quem precisa compreender a voz dos fantasmas
Quando nem mesmo deveria ouvi-la?
Quem precisa salvar o mundo
Quando sequer pode proteger a si mesmo?
Como se pode fazer bem a alguém
Quando em seu próprio interior jaz a escuridão?
A escuridão que jorra através das lágrimas inoportunas
A escuridão que tudo isola
E que nunca poderá sorrir
Lágrimas são melhores que a ausência de expressão?
Um grito rude é melhor que palavra nenhuma?
Insistir no erro é melhor que desistir de tudo?
Ou essa não é uma busca pelo melhor caminho?
Talvez ganhar ou perder não seja o ponto
E talvez o verdadeiro vencedor
Não seja aquele com a medalha de ouro
Pode ser que a resposta se esconda atrás do bronze
Pode ser que eu esteja lutando por nada
Pode ser que os fantasmas estivessem certos
Mesmo quando ninguém quis ouvi-los
Pode ser que não haja nada a dizer
Mas insisto em falar
Pois é disso que depende
A gota final de sanidade que ainda preservo
Não sou uma deusa, afinal
E tenho em mim
Lágrimas iguais às de qualquer mortal
Ainda que jamais revele meus anseios
Ou seus motivos
Não tenho mais pressa
Pois não tenho mais para onde correr
Poderia olhar para sempre a lua
E embebedar-me no conhaque da solidão
Talvez quando as lágrimas acabarem
E eu comece a chorar sangue
Me sinta verdadeiramente viva
Enquanto a vida, vermelha
Escorre para fora de mim
Não viverei para sempre, afinal
E sinto dor
Como qualquer dos mortais
Ainda que não a evidencie
Ou espere comoção
Talvez eu não seja tão forte
Mas pouco me importa
Desde que possa levantar quando cair
Desde que não precise esperar ajuda
Ainda seguirei em frente
Mesmo que agora a lua me distraia
Talvez eu durma ao relento essa noite
E se as feras tentarem me abocanhar
Perder-se-ão em meio ao conhaque
E esquecerão seus motivos ferozes
Não tenho medo de nada essa noite
Pois já estou chorando todas as minhas lágrimas
E não deixarei que me façam cair
Não tenho medo de nada essa noite
Pois a lua é minha aliada
E dessa vez eu não preciso correr
Não preciso fugir
Pois estou exatamente onde deveria estar
É cedo, é cedo ainda e sempre será cedo
A vida é longa para os que perderam seu caminho
Para aqueles que abraçaram a lua
E se entregaram à noite
É cedo e não lembro mais quem sou
De que importa?
Esta noite eu posso chorar
E ninguém se lembrará de minha fraqueza
A lua apagará as memórias
Embebidas pelo conhaque da solidão
Nada mais faz sentido
E não sei mais que nome tive
Estou livre
Apenas por uma noite estou livre
Livre dos medos que deixei escapar
Livre dos medos que hoje dançam ao redor de mim
Em forma de lágrimas
Estou livre de tudo o que sou
Porque não preciso esconder nada
Estou livre porque essas lágrimas
São tudo aquilo que há muito estava preso
E agora está livre
Livre nos braços da noite
Para perder-se na escuridão
E nunca mais atormentar
Talvez eu não possa sorrir
Mas dormirei bem essa noite