UM ANJO ME TOCOU


Fechado e nevoado, no pequeno teatro,
Agita-se a plateia ao ouvir o anjo em brilho.
Os negros cabelos, o corpo de belas curvas,
E a voz baixa e calma que a todos alcança,
Contrasta com o olhar penetrante e sedutor.
 
Vazio e esvaziado, a um canto, estou a ouvi-la.
E como a névoa que o ambiente impregna,
Em todos e também nela estou, sentindo vibrar
Cada pensamento, cada emoção, cada anseio.
 
O inimigo, negra parte minha, sempre está presente.
Por ninguém pressentido, agora se levanta,
E, em alto brado, profere o desafio ao belo anjo,
- Para que serve tantas falácias e definições sobre o amor?
 
Partes em conflito, levanto-me imponente. Sou combate a mim.
- E quem definiu algo sobre o amor? – Disparo direto ao infame desafiador.
Não pelo amor contido nas palavras da sedutora em brancas vestes,
Mas porque veio ela ao meu inferno e, deliciosamente,
Bebia-a fugaz e deliciosamente, embriagando-me de sua essência.
 
Tal disputa comigo mesmo seria dela ruína. A minha já estava instalada.
Em silêncio saio, levando comigo a densa névoa que seduzia o anjo.
O meu mundo se esconde em meio a essa fumaça sombria.
O combate a mim mesmo me a fez perder. Ela nada mais fala.
O olhar é triste. Sou agora a privação, sombras e loucura.
 
Agora nada mais há no estranho cenário, senão os gritos do inimigo:
- Tu? Tu aqui? Não saias. Não podes sair!
Ignoro minha parte negra (ou nebuloso sou eu a partir?)
O espetáculo está encerrado e eu tresloucado.
 
Sigo pela avenida dos homens. Sinto novamente sua presença,
Agora perdida no limbo. Nada mais fala sobre o amor.
De longe eu vi, quando convidada foi por outros anjos.
À redenção de mim, de meu infame ser: - Entre rapidamente aqui!
 
De longe eu ria tal que o mundo todo me ouvia.
Ao contemplar a cena, eu era o topo desprovido de vida.
- Vá, entra! Lá há somente luz! – Proferi aos gritos.
O anjo negou a luz e correu a mim. Mas em mim seria destruída.
 
Sangrando-me em minhas próprias entranhas, dei-lhe as costas,
E perdida ficou, indefesa entre o paraíso ao qual tinha direito
E o inferno que desejava, e que agora lhe era vigorosamente privado.
No limbo ficou o anjo. Em meu inferno, mais negro me tornei.
 
Tudo fora dissipado. Agora todo o mundo nevoava por mim.
Ninguém ousava se aproximar. Estava totalmente louco.
E meu fiel servo - o negro, destemido e poderoso cavalo -
Forjando no abismo maior, onde poucos ousaram conhecer -
Veio a mim, para o enfrentamento final ao desconhecido.
 
Em mim, estava instalada a maior de todas as batalhas.
Caminhamos bravamente contra águas turbulentas.
Nenhum ser ousava enfrentar tamanha força e condenação,
Que descia destruindo tudo e tragando as fracas almas,
As quais não conseguiam fugir à sua tempestuosidade.
 
De cima de meu escudeiro, a tudo assistia. E vibrava.
A hora e o mundo tinham-me e eu os tinha. O início da batalha:
- Vamos às águas, guerreiro! – Ordenei.
Levantei meu cajado, marchamos de frente ao perigo.
 
Escudeado pela minha própria escuridão – como era grande! -
Caminhamos de encontro à corredeira em anseio pela luta.
E as águas foram se esvaindo à medida que marchávamos
Rumo a seu encontro: - Ó águas tempestuosas, a destruição também me pertence!
 
Caminhamos a seco, por sobre a serpente rastejante que secava,
De tal modo que mais um deserto se parecia. Até as gotas fugiram.
Todo o mundo estava a meus pés. O céu nada de azul tinha.
Não mais nebulava. Agora as trevas tinham começado a se instalar.
 
Eu as era, agora muito mais sem o anjo que havia partido.
Restava apenas o inimigo infame a ser derrotado derradeiramente.
Era tão poderoso como eu, e persegui-lo-ia em meu negro cavalo,
Até os confins do Universo. A batalha final estava desenhada.
 
Luz ou trevas em mim havia. Não mais. Agora sou as trevas a lutar,
Quando impávido surge à frente a figura desafiadora, em falsa luz:
- Mundo hipócrita e pragmático, chegou tua hora! – Profiro a sentença.
Incólubre, está diante de mim o inimigo que anseio destruir.
 
Invocação proferida pelo infame e um raio tão claro e quente,
Ofusca-me a visão e me atinge em cheio. Sou lançado ao chão.
A dor causada com a luz e o calor é tão intensa que parece
Desmembrar todo meu ser em átomos primordiais.
 
Resisto ao ataque, mais ensandecido e mais negro,
Sou também a razão da existência da luz, e ela será negada.
O negro cavalo ataca traiçoeiramente o poderoso inimigo,
Fazendo-o se desconcentrar de mim. O erro não seria perdoado.
 
Vejo o negro e fiel cavalo tombar inerte em combate.
Levanto-me, com o instrumento infernal em punho.
- Ó mundo infame! Teus são contados os dias, e de nada
Valerão tuas dores, teus lamentos e tuas orações. Condenado estás.
 
De mim, emana a escuridão eterna diante do inimigo,
Absorvendo todos os ataques: A luz fraca se tornou.
Agora vejo lampejos como o piscar de um vaga-lume.
O golpe final será dado e a cabeça do inimigo, decepada.
 
E a escuridão, após derrotar o inimigo, tomará todo o resto.
Venci o inimigo mais poderoso, em seu pragmatismo,
Em sua insanidade deturpadora da natureza universal.
Venci a mim mesmo! Sim, vejo além. Não há luz lá!
 
Pois meu é o tempo. E tudo conspira a meu favor.
Vejo o fim destinado ao homem infame e maculador.
Nada mais há. Agora só as trevas reinam no Cosmo,
Eternamente sobre os lampejares fracos de luz residual.
 
E nelas o meu inferno é tão mais negro e doloroso,
Sem a presença do anjo que, um dia, esteve em mim,
Com mais intensidade do que qualquer outro ser poderia entrar.
Tão linda, tão doce, tão irradiante que me fez louco.
 
Agora avanço em caminhos que sempre deságuam em nada,
E no eterno da negra infinitude em mim instalada,
Carrego o peso e a dor de ter de me privado do doce anjo
Imaculada, que veio comigo se extasiar nas sombras.
 
- Foste amada tanto, e por um ser tão indigno, ó anjo lindo,
Que serias exterminada em meus domínios. A ti a paz e o conforto.
A mim, a desesperança e as trevas. Por amor foi assim.
E nem o milagre das infinitas possibilidades pode nos unir,
Pois a minha presença seria destruição em ti,
E a tua destruição seria, em mim, morte maior que meu inferno.

Péricles Alves de Oliveira

 

Péricles Alves de Oliveira (Thor Menkent)
Enviado por Péricles Alves de Oliveira (Thor Menkent) em 03/04/2011
Reeditado em 28/04/2014
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