ESCREVER. (HORRÍPILA NECESSIDADE BENDITA)

Lamento a cada dia não ter começado a escrever antes.

Agora é o dia-a-dia, pouco a pouco, que me paralisa...

As palavras escritas bem poderiam ser outras:

Mais coesas, arejadas; muitíssimo mais precisas;

O português empregado nelas poderia ser castiço;

Os versos poderiam - com maior prática - ser melodiosos,

Consonantes à real emoção das chegadas, das despedidas;

Antenados com as sensações físicas, com a exata intenção...

Bastaria, lá atrás, ter conferido a devida atenção

Às vozes solapadas de meu interior submergido...

Ah, lamento cada dia de minha vida...

O pouco que entendo de mim devo às turras letras paridas

Advindas do miolo desta minha esquisita convulsão.

Deve estar na falta de muitas letras o grosso do que me ignoro,

Todo este meu espocar da cabeça na parede, sem rendição...

Cada texto é uma bela escapulida para minha muda boca aflita

Que se retrata, convertida, pela bastarda flama da escrita

Hoje, escrever não me é mais o meu abrigo antibombas...

Redundou numa acalorada guerra fria, uma contra-espionagem fanática

Não é mais desejo ou escape, é uma horrípila necessidade bendita.