SUPLICO A ESMO: VÃO VIVER

desabotôo-me por dentro

para fechar-me por fora

exponho

meus ouros

meus cobres

(forjo outros metais destemperados)

oriundos das minas

mais profundas

do intestino delgado

cuspo meu orgulho

numa escarradeira cravejada

de brilhantes

entupo-me

de salmão com gosto

de mortadela azeitonada

o que sai em troca

com o meio-ambiente

são gases

gases hilariantes

- a regra do meu jogo

é estapear

os entes mais queridos

matar de beijos qualquer

não-parente

suficientemente odiável

só porque

todos eles

tem algo de tolerável

(são muito mal bem-educados) -

após

enrolo-me

com papel alumínio

(coloco-me em microondas)

um minuto é o suficiente

para esquentar os ânimos

queimo-me

dos cabelos loiramente mechados

até as amarelas unhas

sirvo-me

com talheres de prata

em desenhados pratos de papel

ávido e esfomeado,

rasgo-me

até a fina toalha de algodão egípcio

provoco

o tombo do raro vinho

em minha profunda garganta

- furada -

os bordôs

já não são como antes

(muito velhos para minha juventude)

sonhar com sucesso

é enfadonho mas real

(requer vastas goladas)

a sombra do sobrado

é replicantemente repleta

de luzes egoístas

o que coloca-me

em vantajosa

e amordaçada evidência

vivo morrendo

a cada palavra

por vencimento do prazo de validade

a água dos absurdos

atufa o leito licoroso

de meu valão sentimental

isso soa

como se fosse algo

veramente relevante

(o que de fato é)

ah, como estou empanturrado,

coberto de nada,

cheio de mensagem alguma...

o que

em tese

seria bom para todos

(menos para cada um por si só)

aguentem

: tempo se perde,

o ponteiro vai e não fica,

zomba,

caçoa

suplico a esmo

: acordem e vão viver

(a vida por si só é suficiente poesia)