Violão

Sei que a vida treme

Sei que a vida vibra

Como as cordas de um violão

Sei ainda que as cordas quietas

Em repouso, sem aperto

Não tocam nenhuma canção

Ainda sei que uma corda sozinha

Não produz uma harmonia

Não traz a alegria

É como uma andorinha

Que voando sozinha

Não leva esperança

A um pobre coração

Corda também não é tudo

O seu som é quase mudo

Mas a caixa do violão

Recebe o barulho estranho

Que passeando por suas curvas

Ricocheteando em suas entranhas

Torna-se uma bela melodia

Alegrando o fim do dia

E esquentando a noite fria

Ainda não deixo de lembrar

Que nada é um violão

Sem uma calejada mão

Para apertá-lo de um lado

E do outro o dedilhar

Oh! Meu violão da vida

Vida do meu violão

Preciso te afinar

Para poder em ti tocar

Se apertar uma corda na vida

É preciso apertar todas as outras

Na medida certa

Na quantia exata

Mas quanto mais apertada

Mais ela massacra

Os dedos da mão calejada

Coitada...

E se apertar demais

Era uma corda, aliás!

Quebra-se de repente

Deixando o violeiro descontente

Quem poderá substituir...

A que agüentava o batente?

Corda nova reclamando

Vai logo desafinando

E apertando muito a vida

Partirá dela chorando!

Cada uma em seu lugar

Corda grave esbravejando

Corda aguda retrucando

E lá vão todos cantando...

Porque não se contenta?

Anda sempre ambicioso

Quer sempre o lugar do outro

Não lembra que corda muito apertada

Até consegue falar mais alto

Mais deixa de cantar bonito

Tocar no fundo do coração...

Grita como uma guitarra

Irrita ouvido alheio

Agita a balada...

Mas depois traz depressão

Que saudade do velho tempo!

Que em volta da fogueira

Tristes estórias contavam

Alegravam a fofoqueira

E depois todos em paz

Canção da vida cantavam...

Cantavam com emoção

Hoje a alegria e momentânea

Ofuscada pela decepção

Tiraram o brilho da vida

Quebraram o violão

Oxalá se o povo voltasse

A sentar-se no seu lugar

Cantar na sua altura

E o outro respeitar

Um violão eu vou tocar

Quem quiser me acompanhar

Cante o soprano, o contralto...

Se não der conta, o tenor...

Ou caminha para o fundo

E com o baixo vem completar

Somente o diferente

Produz a harmonia

Conforta a alma da gente

Chama-se sinfonia

Que contrasta a nossa vida

Traz uma paz colorida...