A estrada sem fim

Passei uns tantos meses

Sem poesia no papel

mas voltei

não renovado, mas vigilante

voltei por pena das viúvas inconsoláveis

por pena do passarinho morto na calçada

voltei por pena do esquizofrênico da esquina,

tenho pena do mundo

e de mim, dentro dele

juntos nem sequer fazemos o elementar

minhas aspirações grandiloqüentes redundaram em nada,

o mesmo céu opaco sobre cabeças cinzas

a mesma história de dor massacrando os ombros.

O que faremos quando nossos amigos se forem,

e, no exílio inerte da morte não nos mandarem cartas

não nos afagarem os cabelos numa tarde quente,

o que faremos quando as novidades forem nostalgia

quando o novo já for velho e nenhum dia querer

despertar?

Passei tanto tempo dentro de mim

colecionando respostas

a vida se fez refém das possibilidades

volto agora para lamentar, não o coração partido

ou a esperança desfalecida,

mas lamento o cãozinho abandonado, o mendigo, o palhaço triste, o cineasta morto, o poeta retratado em pálida cor,

lamento ter vivido tanto e não ter salvado muitos

de si mesmos, de mim mesmo, do mundo,

o que faremos quando nosso universo pensado for uma

sombra

e de sombra ser apenas nuvem que passa?