O PORTEIRO DO MEU PRÉDIO
Viajou no improviso
No impulso sem esteio
Impelido pela saturação
Queimado pelo desespero
O fez sem um puto no bolso...
Sem juízo ou endosso de alguém...
Primeiro deslizou pelas canoas,
Depois brigou por comida
Por fim desfilou de pau-de-arara
Em direção à essa patifaria
(Ilusão por tantos bem-falada)
Das riquezas do “sul maravilha”
Passou fome e sede
Dormia por exaustão
Acostado numa rede,
Deitado em papelão
Ao relento, no calçada
No contra-chão das marquises
Em construção
Mastigou farinha de mandioca
Só ela, seca
Sem o dente do siso
Sem o dente canino
Sem os incisivos
Sem dente nenhum
Isso e muito mais...
Agora, depois de
Engolir o pão amassado
Pelo próprio satã
E agradecer aos céus
Por poder comer
Virou porteiro
Aqui do meu prédio...
Ele diz que hoje
Finalmente tem dinheiro
(Pouco, mas tem)
Para comprar seu alimento
Jogar sua sinuca, seu truco
(Que aprendeu aqui no sul)
Tomar sua cerveja gelada...
Conta que, para ele,
Que nunca teve nada
"Nem uma panela furada"
- frase dele -
E do jeito
Que a coisa anda
Está muito bom...
Reafirma sempre
Com olhos vidrados,
Escuros,
Sofridos
(Mas ternos...)
Que é feliz com a mulher...
Agora estampa um sorriso largo
De dentes alvíssimos e retos
Sorriso que comprou
Em dez vezes
(Essa é uma alegria dele)
Ele ama conversar e rir
E mostrar que tem boca
(Nunca o vi reclamar
De nada, nada
Apesar das dores, das marcas
Que não são poucas)
Pois é... Esse é o
Porteiro do meu prédio,
Seu Esteves...
Ele é a real gente
De carne e osso (e dentes),
e sonhos, quantos sonhos
Deste meu país, Brasil
Seu Esteves é negro,
Nordestino, banguela, coxo, pobre
Tudo o que os poderosos daqui
Abominam ver, sentir, perceber
E ele é, sim,
(Estranho paradoxo) feliz...
Mas sou eu,
Que ele acha burguês,
Que aprendo com ele
A jamais pré-julgar alguém...