VOU PARA SÃO PAULO DE TREM

Vou para São Paulo de trem

E o rumo do meu ser é ignorado

Vou espremido, ao banco pardo,

Mal e porcamente sentado

E levo nada além d'um olhar aquém...

Ah... Exceto o livro amarelado do Pessoa

Que leio sem jeito ao ritmo sacolejado,

De modo messiânico, à toa,

Concomitante ao desconfiado observar

Das gentes humildes ao meu derredor...

Cá estou eu... Indo para São Paulo de trem...

Vago no cinza deste vagão vago

Porque, rumo certo, quem aqui o tem?

Rabisco este texto no dorso velho do livro

Conspurco o branco rasgado da obra do gênio

Mas eu vou de trem, num deserto povoado

Acompanhado do olhar meu,

Do olhar de todos, do olhar de ninguém...

Pessoa haveria de entender-me, sem me recriminar

De que o rumo do meu ser é mesmo ignorado

E que não posso esperar aqui, apenas sentado

Sem ao menos sonhar que uma poesia

Entranhada neste vagão solitário

Viaje comigo também...