Salgada Proteção
Ele não sabia o que fazer.
Bebia e não conseguia ficar bêbado.
Cheirava e ficava melancólico.
Fumava e não sentia prazer algum nisso.
A música, algo sempre presente na sua vida, não mais o tocava da mesma forma.
Os amigos estavam cada vez mais tediosos, trapaceiros, interesseiros, ardilosos.
Os amores demoravam demais para aparecer e não eram correspondidos.
O trabalho não tinha adicional pela insalubridade que era causada por ter que suportar e conviver com pessoas de cérebro de meio quilo.
Não conseguia dormir.
Acordar era insuportável.
Sair da cama era arriscar, sem risco algum, o pescoço.
O sol subia no Leste e descia no Oeste sem se dar conta de sua existência.
Não tinha tempo para doutores.
Sofria de azia.
Sofria de dor nas costas.
Sofria com dentes que apodreciam de repente e caiam aos pedaços e grudavam nos chicletes.
Nos chicletes que não tinham sabor algum.
Assim como a sua própria caminhada na Terra.
Não podia engoli-la, mas podia mastiga-la.
E ela estava sem gosto algum.
Não tinha açúcar.
Era sem propósito.
Sem propósito algum.
E ele não conseguia ficar bêbado, esperava o telefone tocar, o carteiro chegar.
E ele bebia, e discava números e mandava cartas.
A reciprocidade não existia mais.
Nunca existiu.
Não na sua vida.
Só o mar o compreendia.
Lambia-lhe os pés.
Salgava sua vida sem tempero.
A vida era maçante.
Mas o mar o compreendia - já era alguma coisa.
E os barcos flutuavam, brancos, pontinhos brancos ao longe.
E os cachorros corriam atrás de cocos que as crianças jogavam.
Ninguém se importava com ele.
Só o mar.
Ele olhava o mar.
O mar lambia-lhe os pés descalços.
O mar lambia-lhe os tornozelos.
O mar lambia-lhe os joelhos.
O mar lambia-lhe as coxas.
O mar lambia-lhe a cintura.
O mar lambia-lhe o abdômen.
O peitoral.
O Pescoço.
O queixo.
O nariz.
O mar lambia-lhe a bunda
As costas
A nuca - Assim como aquela doce mulher que um dia o abandonara.
"Elas sempre nos abandonam", pensou.
E o mar lambia-lhe os olhos.
Lambia-lhe os ouvidos.
Lambia-lhe os cabelos.
Lambia-lhe a garganta.
Lambia-lhe a traquéia.
Lambia-lhe o estômago
Lambia-lhe os pulmões.
O mar o compreendia, e o lambia inteiro, que nem uma aplicada meretriz o faria.
Uma meretriz que jamais conheceu.
Uma meretriz que jamais conhecerá.
Pois o mar o pegou nos braços, como um filho machucado.
E o protegeu dos falsos amigos.
O protegeu dos finais de semana decadentes.
O protegeu do mundo.
E por fim, o protegeu de si próprio.
Samiam - Dull