Fala-me de Transportes

Estamos no mesmo barco, saídos de algum lugar;

chegar a lugar nenhum, mas vamos continuar.

Passamos ao largo da ilha: novilhas que trilham as escarpas,

aves de arribação altaneiras,

palmeiras que acolhem o luar.

O trem nos vem colher na plataforma da estação.

Lá fora, já na estrada, o que a gente vê?

A menininha agachada, o vestidinho de chita,

jogando bola de gude com o negrinho da lavadeira.

Ao lado, a vegetação da cor da nossa bandeira.

O motorneiro do bonde e a sua total discrição,

o cobrador apressado nos cobra a maior atenção.

A mão vai repleta de notas,

enquanto a gente não nota

o “belo tipo faceiro” que temos ao nosso lado.

Na voz suave do alto-falante o vôo é anunciado.

Passando todo empertigado,

a empáfia é o que nos assusta,

o whisky que ele degusta,

segue o empresário para a poltrona executiva.

O vôo sai atrasado, o rum não é o creosotado.

No ônibus sempre lotado

nos amassamos de manhã.

O sol não lambeu o rochedo

porque ficou foi com medo

ou porque é de fato bem cedo.

Mas se não fizermos assim,

na hora não vamos chegar.

Como se tivéssemos de estar

preocupados com isso.

O carro é o nosso hospício.

Fizemos a volta no morro,

fizemos a curva molhada.

Subimos talvez na calçada,

mas não capotamos, seguimos.

A chuva havia parado.

E ele é o que nos circunscreve,

prescreve a automação.

Piranha, vadia, gritamos em coro

na ultrapassagem forçada que não

vai nos impedir de atingir o da frente.

O guarda prudente, caneta na mão.

Documentos, por favor.

Quinhentos reais nos custou a surpresa

e toda a certeza da indignação.

Curiosos olhares, alguns comentários

provinham daquela aglomeração.

O vento alisava os nossos cabelos.

Eriçados os pelos, chamava atenção

um cão assustado na outra calçada,

parecendo querer atravessar a rua.

Pedaços de vidro espalhados no chão.

Olhamos pra frente, precisávamos sair Dali.

Vem, Salvador!

Rio, 06/04/2006