AQUI ESTOU, A SALVO!

Aqui estou, a salvo

Sentado ao trono da nave cega

Acima da biosfera, estratosférico

O fragoroso não me atinge

Ignoro o envolvimento dos carros, das motos

Dos ônibus lotados

Nas vias embiocadas, desarticuladas

Da cidade. Como fosse uma novela

De imagens congeladas, numa tarde

De sessão de TV sem pipocas...

Os risos, os comentários, o labor

Das pessoas desvairadas, compromissadas

Desmantelam-se em meus sentidos vagos

Como despencam raios em pára-raios

Permeiam-me... Rasgam adentro

De minhas entranhas inerves

Mas não me encarnam. Descarnam-me

Trespassam-me a sola dos pés

Fogem pelos subterrâneos da terra

E por lá, se entendem, se revolvem

Transformam-se em elementos

Da glória triunfal da humanidade

Encenam o que querem, como querem

Por último, morrem...

Eu não as quero, não as suporto

Meu entendimento não as comporta...

Não almejo compreensão, submissão

Nada me atinge, nada, nada!

A mediocridade que alimento

Tinge-me e dá-me formas erógenas

Aqui dentro desta redoma endiabrada

Estou a salvo de mim, dos outros

Das propostas que a todos afligem

Então, por favor, emudeçam-me

Não preciso de qualquer algo

Que não seja estar aqui, a salvo...