... Ainda Triste
... Ainda frio. Ainda triste.
Parecia que a vida ia ser como sempre, que tudo ia correr como esperado. Mas era outono novamente, e quem compôs a melodia se absteve de senti-la. Por mais que ainda fosse dia, as luzes dessas velas atemporais cercavam o fino vidro em dégradé, moldando traços insuportavelmente reais dessa vida trágica e cômica. Eu, ainda puro, tanto quanto um deus recém-gerado, buscava universos onde eu pudesse criar arquétipos de alguns sonhos, e dar a eles a condição liberal de depender das minhas chuvas... E que fossem o preço da minha insuficiência.
Algumas sentenças dessa história, que provavelmente seria mal contada, eu fui deixando ao sabor do vento, esse servo do acaso. Ele foi levando os vultos, os cheiros, o vapor de lágrimas, o riso desesperado. Nada de afago, nada de simples beleza, o céu seria o único lar de repouso dos desejos mais preciosos.
Vi as naves, vi as asas, vi homens que mudaram o curso da vida, gente verdadeira morrendo por razões falsas. Vi o mundo se tornar o playground das vontades, vi o sentido da vida ser jogado no lixo, numa rasura assinada por deuses... Imbecilidades espectrais geradas no vácuo da felicidade de alguns...
Vi tudo se tornando uma grande mentira, vi a fé virar moeda. Da margem fui vendo o quanto essas águas se tornavam turvas, ensanguentadas, putrefatas... Mentiram sobre o início, manipulam o presente, e culpam pelo futuro!
O que fizeram com esse belo jardim?
... Ainda frio. Ainda triste.