AMANHÃ TEM MAIS

Estou nascendo.

Nem bem do sol despontam os primeiros raios

Saboreio o leite materno do seio

Com pão amanteigado na chapa

Saio de casa um tanto apressado

Sem grandes cuidados ou afligimentos

Abandono desmemoriado a nascença,

Corro pulando o cercado da infância tenra

Brinco bastante no intervalo do primário

Uma pouquinho depois, concluo o grau secundário...

Mudo de cidade para fazer o curso superior...

Aterrisso numa mocidade agitada, arrogante

Faço definitivas burradas, almoço em meia-hora

E, emendando as horas, parto para o trabalho.

Como é chata esta parte. Vou à degola...

À tarde namoro, caso e gero uns pirralhos

Entremeio aí uns minutinhos de bem-aventurança

Que ninguém é de ferro... Acordo da sesta e

Neste intervalo os filhos cresceram e se foram embora.

Separo-me e tento amar outra. Não dá muito certo...

Deste ponto para frente, prefiro viver solitário...

Decai minha energia no ocaso... Canso e envelheço

Arrasto chinelos em escangalho, resmungo, vocifero aos deuses

Assisto o noticiário destrinchando palavras-cruzadas

Depois do jantar, como um raio, tusso, escarro e adoeço sério

Estou morrendo. Não ligo. Amanhã tem mais.