NÃO QUERO MAIS SER EU

Não quero mais ser eu

Ser eu dói muito, me custa muito

Quero ser outra pessoa

Fria, indiferente, encoberta, escorregadia, sem ousadia

Não quero mais me mostrar, não quero

Vou ser alguém que as pessoas imaginem

De um jeito, de outro, ou, ainda, nenhum jeito

Sem rosto, identidade, vontade, no palco

Só encenando os papéis aceitáveis, engraçados

Nada meu, sem eu

Dores de outrem, lágrimas fabricadas

Falsas, mas, claro, comoventes, teatrais

Não quero nada, se for pensar bem, estou cansada

Não tenho cara, só um contorno

Rebuscado, manchado, desbotado

Vou crescer, ser adulta

No coração, na alma, nas emoções

Adulto chora nas horas certas, espera-se, aceitáveis

Não fala tudo que pensa, que sente

Não acha graça em ficar sentada na calçada, simplesmente

Em falar com os bichos, as flores, os quadros

É gente séria, preocupada, sem tempo para a criançada e criancice

Gente correndo, se atropelando, se machucando

Passando por cima dos entulhos, embrulhos, de tudo

Não quero ser mais eu, não quero nada!

Prefiro ser nada do que ser gente amarga, sem elo

Totalmente sem nexo, direção inversa

Não quero ser mais eu, não quero nada, só um convés, ao léu!