A poesia não é a redenção da miséria humana
Nem enfeite da mediocridade da existência
As palavras clamam, mostram, expõem, definem
Mas não anulam a necessidade de viver intensamente
Não matam a fome, não aplacam a sede, não evitam o mal
As palavras dizem como as coisas são e como não são
Mas o que muda as coisas é simplesmente ação

A poesia não traz nenhuma beleza para o mundo
Não torna idílica a luta diária por algo melhor
Não fortalece por si só todo o esmorecimento
As palavras não são um unguento que nos cura as dores
A palavras somente nos dizem o que são de fato essas dores
E dizem, quando muito, um pouco do que faríamos
Se não dependêssemos tanto de tantas palavras

A poesia não tem o poder de eliminar as incertezas
Nem força para nos livrar de vez de todo o medo
As palavras não revelam segredos, escondem
Não nos fazem estar menos perdidos como estamos
As palavra apenas nos apontam as direções
Descortinam os caminhos mais possíveis
Se nos dignássemos a estar sempre caminhando

A poesia não tem cor, não tem cheiro nem sabor
A poesia é apenas uma luz que nos ilumina na escuridão

Assim, os poetas não são deuses nem profetas
Não têm nada além dessa verdadeira maldição
A sina de enxergar no escuro, de ser luz talvez
A dor de sentir e tentar dizer tudo que sentem
O sofrimento de ver em meio a cegueira
E só o poder de gritar no enorme silêncio
E o prazer de ser eterno em sua efemeridade

O poeta não é mais humano do que ninguém
Para falar de si esquece-se de si mesmo
Não está preso ao tempo, à noite ou ao dia
É feito de um pouco de eternidade
E sua verdade, para ser luz, não pode ser verdade
Inevitavelmente tem de ser um pouco de escuridão
Marcos Lizardo
Enviado por Marcos Lizardo em 22/04/2010
Reeditado em 08/08/2021
Código do texto: T2211602
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