Nonsense

Nonsense

Emigrado das bandas do Leste, com a destruidora força da peste, um imenso Vazio toma conta de mim – despeço-me, consternado, de todas as concepções grandiloqüentes.

Faz um calor absurdo. Inversamente, como uma negação do Tudo, sou envolvido por um desagradável lençol, uma incômoda sensação de frio diante do que não compreendo.

Uma criança chora lá fora, enquanto sua mãe assiste a uma pregação pela tevê. A atriz se arruma para mais uma encenação. Afinal, o show tem de continuar, independente do que esteja acontecendo.

A música atordoante não me deixa em paz. Juras de amor eterno se dissolvem pela internet, trazendo, com velas enfunadas, uma álacre vontade de me matar, partir para uma viagem sem volta deste mundo demente.

Sou convidado a assistir a uma pomposa cremação: na pira do cotidiano queimam-se ingênuas Ilusões, últimas remanescentes de batalhas antecipadamente perdidas, imoladas em honra da Hipocrisia.

Penso no jovem drogado com o cigarro entre os dedos; não há como se reter a fumaça que escapa. “Cristo salva!” berra o crente na praça, almejando o apocalipse pro Agora, inconformado com a baixa audiência.

Duas prostitutas, jovens envelhecidas, olham-me com comercial insistência; oferecem, maquinalmente, um sexo que não pretendem fazer (é apenas negócio, mera questão de sobrevivência.)

Encerra-se o primeiro ato: A viatura policial passa com estrépito, a sirene a bradar com escândalo. Na loja de variedades faz-se grande oferta de perfumes de sândalo. Há um lindo pôr-do-sol no horizonte (finalmente terminou mais este dia.)

Luzes multicores, convenientemente brilhantes, piscam no mostrador do meu celular: espero, ansiosamente, aranha atada na rede, uma mensagem que sei que nunca irá chegar.

O harakiri sugere honrosa libertação; pulsos cortados (escolha de efeminados, maldosamente dirão) não serve como opção. O último desejo do condenado é um suco de pêssego a ser sorvido em taça de fino cristal.

Embotado por amargas reflexões, reavalio a validade de meus questionamentos. Inúteis, decido. Apenas palavras despidas, pernilongos a perturbar o sono do príncipe, manchando de sangue a branca cama real.

Um riso sardônico baila-me no canto dos lábios, um menear de cabeça antecede a sentença final: nada acontece de novo em Pasárgada Gorda – toca o enterro prá frente; isto aqui já deu o que tinha que dar.

Lembro-me de uma canção do Raul Seixas em que ele diz a certa altura “A realidade do Universo é a prestação que vai vencer’, dentro de um contexto de crítica que me pareceu muito pertinente, soando o dito como um reconhecimento de que pouco, ou nada, podia fazer para mudar o ritmo das coisas. Muitos já falaram e escreveram sobre esta impossibilidade: eu sou apenas mais um a voltar a insistir nessa desgastada tecla.

Sou muito teimoso.

Terras de São Paulo, manhã de Terça-Feira, dia inútil de meados de Março de 2010

João Bosco

Aprendiz de Poeta
Enviado por Aprendiz de Poeta em 16/03/2010
Reeditado em 16/03/2010
Código do texto: T2141320
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