Casmurro

Andei a pé pelo mundo do meu eu
Esfolei a sola por espinhos que não criei:
Pontiagudos, afiados; como alguém me deu...
Engoli calado, aprumado, agonizei...
Com uma venda e uma mordaça
Enxerguei a fumaça, mas nunca falei...

Quantas tranças eu trancei para o tempo parar...
Tinha medo do tempo afiado, do brado
Que vinha do lado de lá
O tempo que passa por passar
Era o traslado maldito da hora, do dia
Que via em mim um peão de xadrez,
Cruzando o tabuleiro do tempo.
Acéfalo na vida que perdeu a vez
De extinguir-se por fobia...

Por ser temporão, muitas vezes sofri!
O sofrimento acalanta os fracos e os fortes...
Corta-lhes os laços que os prendem, ri!
Que morram os fracos; que vivam os magotes!
É o tempo que dita as normas da gente:
Quanta vida que vive, se vê diferente...
E eu preso por laços e cordas...
Um fraco, uma corda, um pescoço ...a horda.

A lei condena, à pena, um penoso augusto
Senhor de cartola, que, no sol, pede esmola
Lustro na lapela, bolso repleto, e o busto
Forte, no pedestal, adora o trono e a estola
Faz-se venerável, senhor do momento,
Enquanto choram, as senhoras no templo...
E eu mudo, criado; ou criado mudo,
Do lado, suado, oprimido, casmurro.
Ubirajara Sá
Enviado por Ubirajara Sá em 04/03/2010
Reeditado em 04/12/2014
Código do texto: T2119508
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