Velhice, Lagartas e Borboletas
Eis um corpo arqueado, batido, surrado
Eis um corpo cansado, eis um trapo largado
Em meio aos passantes, espelhos, redes sociais, outdoors
Sorrisos insossos, dos que se deleitam, aos bandos
Vazio disfarçado, estampado
E o desespero, pupila adentro
Outdoors que estampam os sorrisos
E as gracinhas da vida em bando
Arrojados designers, arcaicas necessidades
A pose, o cabelo e a roupa são fashion,
As buscas e as carências, antiquadas
Quanto a mim, eis-me aqui caído na estrada
Outrora desejado, admirado, invejado
Hoje caído no caminho, estorvando a passagem
Corpo jogado, supérfluo, destinado a ser adubo de flores
Nos canteiros de Deus
A alma florida sonha em ser aroma, será tarde?
O corpo ousa continuar, insiste, debate-se
Entre rugas, tremores e fragilidades
Corpo que sonha, sem viço, sem graça
Vinho de adega: velho, peculiar, sabor desconhecido
A umidade da adega infecta os bandos
E o salitre corrói...
São visões e verdades que esse espelho constrói,
São restos de sonhos, são restos de amor, que fere e dói
Pedaços de vida, feridas, coisinhas mal-resolvidas
São manchas mal lavadas, cacos mal varridos
Vida que se retira, assustada
Entre risadas e pisadas, dos bandos a passar
Mas a vida grita, geme, se agita
E a alma anseia e sonha, ressuscita
Tire pois, esse espelho de minha frente
Não o quero mais ver
Pois qu ele engana, fere e mente
Jogue-o no porão, atire-lhe pedra, piche, merda
Cubra-o com lona, tábuas, lençóis
Não é tarde, grita a vida
Os bandos rastejam, eu respiro e observo
Sou eu, pois que os deixo, a rastejar
Uns por cimas dos outros,
E abro asas, alço vôo, ganho horizontes
Há lagartas que morrem, aos bandos,
Adubam a terra e servem aos vermes
E há vidas que voam, borboleteando nos ares
Janela para a noite fresca e estrelada
De dia fui lagarta, crendo-me bela e feliz,
Hoje borboleta, mais bela e mais feliz