Fantasmas
Fantasmas
Na noite que escorre entre meus dedos, trovões estrugem nos céus, o sono custa a chegar.
Reflexões, estendidas como roupas lavadas, balouçam desconsoladas diante de mim.
São fantasmas de eras perdidas, assombrando a paz que não tenho, companheiros dessa estrada sem fim.
Imploro ao travesseiro uma trégua: finalmente o sono me vence e um raio de sol, travesso, logo vem me acordar.
Não há reflexo no espelho: não sinto a mínima vontade de contestar o que é dado como absoluta Verdade.
Versos são pobres espectros, palavras são prostitutas promíscuas, a jogar debaixo do tapete nossos mais feios aspectos.
Aguihoa-me uma tardia irritação, jogando-me em face que também sou responsável por tão iníqua condição – chafurdo nos mesmos dejetos.
Ao longe o féretro de um suicida segue seu rumo; com uma gargalhada insolente o mendigo, bêbado, saúda o desertor: “Já vai tarde”.
Não sou melhor nem pior: o mendigo fedorento e blasfemo é feito da mesma matéria que eu, todos nós feitos segundo a imagem distorcida que fazemos de Deus.
As suas vestes bolorentas vieram do mesmo branco algodoeiro que veste a nubente – todos nós terminaremos fazendo parte, como pó, do mesmo chão.
Posso creditar à falta de sono este meu desamparo, esta inexplicável sensação de abandono, mas não estaria enfrentando a verdadeira razão:
Razão que mora na perplexidade que a vida me causa, nas respostas que não encontro prá tanta ambigüidade. Será isto ingenuidade ou apenas serão devaneios meus?
Nunca gostei de efemérides, menos ainda as natalícias. Talvez a razão desse não gostar tenha muito a ver com o dito chistoso de um amigo dos velhos tempos: quando fazemos quarenta anos, o aniversário passa a se tornar um adversário. À medida que o dia fatal vai chegando, vou me tornando cada vez mais indócil.
Cidade dos Sonhos, manhã da última Quarta-Feira de Janeiro de 2010
João Bosco