Contra o que eu não posso lutar
Ao Leonardo que vive em mim. Lidy.
Há algum tempo venho pensando nisso
Venho ensaiando os primeiros traços
Mas na verdade não sei como falar com o papel.
Talvez não seja culpa do papel
Eu ando dizendo muita bobagem,
Parece que não tenho mais nada que valha a dizer.
Mas sinto.
É isso que está me perturbando
A certeza de sentir algo que eu não sei dizer.
Talvez não valha a pena o esforço,
Mas olhar minhas mãos vazias,
Minha cabeça cheia,
Meus passos incertos,
Torna escrever uma nessecidade,
Como se o sentir mudo me causasse agonia de morte,
Como se eu perecesse de olhos secos
Pelas lágrimas que não derramei.
Eu não devia estar escrevendo por você.
Eu não deveria estar escrevendo pensando em você.
Quando a gente percebe que tem que esquecer
Lembrar passa a ser inevitável e natural como respirar,
Como se as ilusões ocupassem um espaço físico dentro de nós
E retirá-las significasse deixar um grande buraco.
Posso ouvir o eco dos meus pensamentos,
Minha voz parece distante.
Talvez eu já esteja sorrindo, ou dormindo, ou morrendo.
Só existe minha mão a me guiar.
Já que tenho que tirar de mim
Vou deixar gravado em papel,
De próprio punho,
Como um testamento das minhas memórias.
E quem sabe mais tarde eu me lembre de como é sentir.
Gosto quando você sorri
E de como tudo parece importante quando você fica sério.
Gosto quando olha pra mim
E ainda sinto como da primeira vez
Quando você me olhou de cima
E eu senti como se, estranhamente,
O mundo tivesse decidido parar de girar por alguns segundos.
Gosto quando você fica aéreo as vezes
E me faz repetir o que eu disse
Como se o fato de você não prestar atençao fosse minha culpa.
Gosto de como você olha diretamente pra mim
Não importando que tipo de idiotice eu esteja dizendo.
Adoro quando você me cumprimenta e levanta as sobrancelhas
Naquele oi inaldivelmente bem pronunciado
E como é difícil não sorrir,
Se quando você me olha
Os movimentos do meu rosto se tornam involuntários.
Eu definitivamente gosto do seu cabelo,
Daquela pintinha no seu rosto
E do modo como você fica lindo quando faz bico pra mim.
Gosto da sua atenção, do seu silêncio característico,
Da sua seriedade dócil e sem severidade.
Gosto de como você explica coisas com um ar professoral.
Gosto quando você sacode o joelho,
Sempre me faz rir...
Talvez você não note
Mas cada respiração sua me parece na medida exata.
É triste saber que não posso gravar isso em papel.
E agora que sei que tenho que esquecer,
Dói saber que não posso descrever com clareza
O movimento calmo dos seus passos,
A mochila presa em um ombro só,
A risada tímida, o grave contido da voz.
Eu conheço seus pequenos gostos,
Coleciono seus mais despercebidos gestos
E nunca vou poder bem gravar
A surpresa discreta em sua voz quando cantei aquela canção.
Mesmo que você não saiba,
Quase tudo que te encanta se torna perfeito pra mim,
Exceto seu time de futebol,
Mas nem mesmo de você eu exigiria a perfeição.
E eu vou pensar mais uma vez
Em quando você cantou comigo
Pra, só mais uma vez, poder sentir o que eu senti.
Talvez daqui há algum tempo eu leia isso
E já não possa entender o que eu mesma escrevi
Porque agora você já não pode ser sequer uma lembrança
E se eu sei que você vai seguir sem olhar para trás
Não posso ficar me alimentando de sua sombra.
Você, que eu nunca toquei,
Talvez tivesse me notado se eu não me esforçasse tanto pra isso
Ou talvez devesse ser mesmo assim
Você indo pra longe em passo tranquilo,
Eu deixando suas lembranças se esvaírem por entre meus dedos,
Fingindo não notar que um pouco de mim se esvai com você
E que eu nunca mais serei a mesma,
Como um rio atingido por uma pedra.
Ainda que se apaguem as lembranças das marolas
O rio jamais voltará a ser como antes,
Porque a pedra estará ali, imóvel, mas ainda em seu leito.
Talvez seja esse o preço a pagar
A certeza simples de que não há volta,
Porque mesmo quando se apagarem as lembranças
Tudo ainda estará diferente
E você ainda estará em mim,
Imóvel,
Mas ainda e pra sempre em mim.