A Verdadeira Palavra
A poesia, abrupta e vadia
Eleva ao céu o agravo do dia-a-dia
Transforma em cor a cinza da afasia
E recebe aplausos muitos, merecia?
Vulgar, desbocada, passeia por aí
Soando sublime aos ouvidos enganados
Sopra o trompete de Miles
Tirando as notas de onde só havia sujeira
Assim vai cantando por meio de berros
Gritos dos sofridos, dos agoniados
E se chegam aos ouvidos que sabem da estesia
Chegam suave, machucando com veludo azul
Usando a tinta da melancolia de Machado
Sobre o papel de pão do pobre, amassado
Vira partitura digna de salão e museu
Burguês, nobre ou eclesiástica, ainda que faminta
Não sabe gramática, mas domina a caligrafia
Ludibria os olhos e massageia o nariz
Que cheira o perfume dos bêbados e dos enamorados
Mesmo quando tonteia, parece métrica
Em Pessoa de faces muitas, mil máscaras
Gregas ou troianas, ferozes ou calmas
Tem cara de quem esconde a miséria, expondo-a aos ouvidos
De quem sabe ouvir, quem prefere música à palavra
Voltando ao ritmo sem forma, assim esta linha dizer queria:
Ela prefere a verdade pura que a ilusão da prosa dura
Extrai a verdade viva do caos da realidade do dia
Assim cai a pedra lançada ao meio-dia
Rachada de sol, gasta de saliva maldita
Bendiz a queda, grata pela melodia
Que salta da lama, barro é a poesia