A Mário de Sá-Carneiro
CONFISSÃO
***
Vejo as luzes dos navios
sentado na beira do porto,
sem ninguém aqui comigo.
*
Meu inimigo se foi, é morto
na sua busca por algum deus
em que ele pudesse acreditar
e jaz agora num horto cediço.
*
O meu olhar vago, absorto,
percorre todo o passadiço
em coisa alguma a se fixar.
E eu confesso que me dói
esse alheamento enjoadiço,
pois isso tudo me corrói:
tanto enfado...tanto vazio.
*
Mas, o que mais entristece
(sem alegria ou benesse)
é que a Vida diária segue
como rio em seu contorno,
seja ele reto, seja torto,
à luz do dia ou no breu,
sem sequer se importar
que aquele morto seja eu!
***
Silvia Regina Costa Lima
26 de outubro de 2009
Mário de Sá-Carneiro
Lisboa 19 de 1890 -Paris 26 de abril de 1916)
foi um poeta contista e ficcionista português, um dos grandes
expoentes doModernismo em Portugal e um dos mais reputados
membros da Geração d’Orpheu. Matou-se aos 25 anos.