A outra
A palavra se evaporou, como se evapora o perfume d'um frasco aberto, exposto ao tempo.
A palavra se transmutou em sombra e cinzas,
depois de uma fogueira apavorante, alastrada pelos caminhos de ser.
A palavra, agora, é um nada que me possibilita existir...
Mas do nada faço minha morada,
do nada, o cálice de Deus me chama
e concede mais uma palavra, além de infinitas outras...
e mais...
O tempo fez da palavra minha luz,
a vida a fez meu leito.
A palavra é a mãe que sopra uma canção de ninar
e me faz adormecer e sonhar...
A palavra inspiro e expiro, constantemente
Quando expiro, entremeada dos veios mais secretos que carrego...
Um dia a palavra foi nascer, hoje é presente e amanhã, talvez, será inevitável...
Porque não sou eu quem escreve, mas alguém que não sorri.
Não escreve aquela que finge ser, mas aquela que é e se torna, a cada dia.
Quem escreve é a alma que de tanto sofrer pelos outros, resolveu sofrer pela palavra...
Quem escreve não é o véu, é a face escondida,
a flecha desferida, a mortalha sagrada...
Quem escreve não tem nome, mas um dia será eterna.
Eu... Não! Sou humana, imperfeita e tão complexa.
Aquela que escreve não é complexa, ela expõe tudo que há, tudo que é na sutileza da palavra...
É ousada, é tão direta.
Por isso corro, eu, dos perigos que ela dita...
Muitas vezes, não consigo fugir.
A palavra é a própria fuga, é rastro
e pela palavra, ela sempre me encontra.
Ai de mim!
Tenho tantos segredos...