Lábios num abutre
Eis no topo dessa árvore morta
Um abutre a me fitar.
Eu veria um sorriso em seus lábios.
Se ele os tivesse.
Ou será que começo a imaginá-lo...
Imaginar os lábios, pois o abutre aqui está.
Estranho ficar feliz nessa situação:
Estirado sobre o chão árido;
Estirado sob uma árvore e sob esse Sol;
Estirado ao lado de meu orgulho
Que jaz aqui, lamentando seu egocentrismo;
Estirado ao lado da minha esperaça
Que jaz aqui, prestes a dar seu último suspiro;
E o espectador de minhas tres facetas
É esta ave que será talvez meu bom carrasco
Ou quem sabe apenas aprecie meu declínio
Para saborear minha carne que cheira a agonia.
Sinceramente não sei qual das opções mais me alegra.
Pois a que mais me entristece é essa mesmice
De hora confiar na esperança do bem vindouro
E cegar-me com o orgulho de quem não desiste
Ou outrora esconder meu orgulho
E suprimir a esperança de ser feliz.
Dois extremos afastados,
Dois irmãos mais que grudados.
Depende de como se olha,
Depende de como se termina.
Dependência de depender...
E de todo esse processo retroceder...
E o Sol começa a me sorrir,
Eis outro devaneio.
E novamente vejo lábios num abutre.
Eis que serro meus olhos.
“-Vai-te daqui abutre,
Arda sozinha árvore,
Assombre-se Sol.
Pois munido não sei se,
De meu orgulho onipotente
Ou de minha esperança inconsciente,
Eu novamente me levanto.
Não será aqui, hoje, agora
Que findarei essa vida.”
E assim saí reforçado com minhas facetas
E mais uma delas:
As mentiras que eu me conto
E que minto acreditar...