Sinto o peso da vida no esqueleto da realidade
Um gosto de morte fundo na garganta
Um tremor na espinha diante da verdade
Um olhar no espelho: sangue e lágrimas
Um olhar além de mim mesmo: dor e esquecimento
Sinto os passos falsos em caminhos tortuosos
A asfixia que não me deixa acordar no meio de um grito
Eu venho e não sei para onde vou
Venho à vida banhado em sangue
Um grito enfim me enche de ar
Estou vivo mais uma vez num outro amanhecer

Ouço um rumor enferrujado de armas que murmura do fundo dos espelhos
Meus ossos vibram
Deixo me cair gelatinosamente num grito musculoso que agita meus pulmões
Aprendi a gritar na carne, me debatendo em membranas cardíacas
Acre e sulfuroso, um hálito de farmácia soprando evaporações
Um corpo feito de sangue e ossos, um putrefar sonolento que é uma paixão
Meu sujo segredinho de menino deflorado por um pai devoto
Penso na puta da sua mãe
Penso na menstruação originária do cosmos
Morro pluralmente diante dos espelhos instalados numa alcova, eles sussurram uma guerra profetizada
Eu sou uma trincheira

 
 
Eu saio de dentro do imenso vazio que contém o mundo
 
E trago dentro de mim toda a consciência do nada
Meu murmúrio é nada mais que um ranger de dentes
É sair de uma vagina. É entrar numa latrina
É rastejar por dentro do esgoto fugindo
Buscar o grito último para quebrar o silêncio
Lançar-se no abismo infinito de um outro espelho
Sentir a luz dos olhos gotejar sangue
Eu saio liquefeito em meu próprio vômito
Eu me desfaço em cada absurdo passo
Eu não volto, eu só vou
Eu vôo
E sumo.

(participação muito especial de Adiu José)

 
Marcos Lizardo
Enviado por Marcos Lizardo em 28/09/2009
Reeditado em 07/09/2021
Código do texto: T1835449
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2009. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.