Lembranças de Sangue [Pelo dito, Vivo!] {fragmento}

"[...]Caráter não tem cor

Mas minha rima é pelo canto dos escravos em navios"

[Parteum]

Noites de um Congo distante

Que me chamam enquanto aspiro por liberdade.

Ah! Quanto de mim se foi pelos mares,

Pelos ares áridos do Novo Mundo,

Nas Naus...

Enquanto o que se dizia era um "Não!"

Não um simples não.

Um Não complexo e veemente,

Carente e cheio de açoite,

Permeado de noites escuras

Nas quais só se viam meus olhos...

Um Não veemente e perplexo,

Lotado de apreensão,

De pretensões adversas...

Vazio como Açores,

Permeado de marcas vermelhas,

De terras vermelhas,

Olhos e sangue vermelhos que dizem Não!

Iorubas, Nagôs, Mahi cantam ao som seco do tiro,

Das chicotadas que exalam o derradeiro grito de seus filhos.

Ecos de um Mundo perdido

Carente de imaginação.

Deixado na História passada...

Que despeja lágrimas

Nas correntes, açoites e troncos.

Liberdade...

História que inibe a verdade

Tribos do Congo,

Guiné-Bissau, Moçambique e Angola.

Choram do sorriso perdido,

Do elo perdido,

Do Mar dividido, dividindo...

Noites de Quilombos.

Dias de Senzalas,

Favelas...

Refletem aquilo que nunca padece.

Escuridão e... tudo Claro!

A alva tez brilha incessante nas janelas da Casa-Grande.

Modernidade...

Lindos relacionamentos,

Todos miscigenados.

Estamos salvos:

Não! Mais açoites, troncos, quilombos.

Senzala contínua que nunca perece...

A distância que um mar nos deixou.

Se foi olhos, ouvidos... língua!

Lá se foi tudo que findou aqui...

Linhas imaginárias e divisas embranquecidas

da cor do novo chão,

Não mais se vê

Igualdade, Liberdade, Fraternidade.

Tudo vão.

Tempos bons...

Tempos aqueles em que vivemos

Candomblés, Macumbas, Mucamas.

Amas desamadas,

Desalmadas pela Cruz e a Espada,

Cruzadas e Expedições.

Tráfico, extradições, explorações.

Corações pulsantes

Na Serra da Barriga.

Onde se encontram as vidas perdidas,

Haussás, Bornos, Baribas.

Luta incessante

Dilacerante e sangrenta.

Viva na pele de antepassados...

Domingos de descaso,

Fomos usurpados,

estuprados, extirpados.

Exilados de nosso mundo...

Cantos, ritos,

Bantu, Malês, Malungos,

Iorubá, Jejes...

Parece que nada do que se vê é verdade!

Cerceados pela maldade de assombrações.

Vultos brancos mostram seus sorrisos sarcásticos

de suas mansões.

Da casa-grande às monções.

Da luta pela existência

e pelo grito

...

Pelo dito,

Vivo!