O trevo ou metáforas da infância

Pegue aquele trevo de quatro-folhas

Dado por mim para ti em nossa distante infância

Deixe-me mostrar-lhe naquele pequeno trevo

Toda metáfora e lirismo que há

Suas folhas, provavelmente já ressecadas

Pelo tempo que se passa – como água a verter de um jarro –

E que nos permite, na rememoração – arte precognitiva –,

Desvendar os sentidos ocultos e mágicos da infância

Pois essas folhas cardeais

Como mapa como bússola

Permitem-nos sonhar

Os quatro cantos do mundo e o ciclo vital

I -

No leste, a folha direita

Aurora de nossas vidas

A infância em suas iluminações

E cristais mágicos

E os encantos do oriente

Ilhas distantes e fantásticas

Cercadas de mares e tempestades

O fascínio: na íntima e sacra alegoria do Canibal

II -

No norte, a folha de cima

As tormentas ígneas e sanguíneas da juventude

Lançada na fluidez dos mares sonhados

A estrela polar, a do norte, surge no horizonte

Não para nos orientar

Mas para nos perdermos

Como argonautas

A deriva e a cantar

O frescor da aventura

Como fruto das ilhas

Como brisa dos mares

Como corpos nus a dançar

III –

No oeste, a folha esquerda

Nosso olhar sereno, obscuro

Absorvido no crepúsculo

Seremos soturnos e noturnos

Mas, permita-me dizer,

A maturidade nos cairá bem

Todas as horas devem

Ser vividas em sua plenitude

Viveremos os continentes

Perderemos as ilhas?

Não. Restam as memórias, as estórias

E as fugas, nosso eterno retorno ao mar – o sonhar

IV -

No sul, a última folha

Os ventos tão frios quanto nosso olhar

No Cruzeiro do Sul, as estrelas unidas em quatro direções

Anunciam que é chegado o momento do contar

Todos deveriam ouvir a experiência

Que sintetiza o trevo e traz boa sorte

Aos navegantes mais jovens e audaciosos

Da praia observaremos seu partir

Também é chegada nossa hora

O mergulho mais profundo e obscuro

Nas águas turvas do Oceano

Onde véus muito espessos escondem o porvir

Na ruína da casa do espírito

Momento de assombro, momento de escombro

A tessitura e urdidura das estórias

É chegado o tempo de narrar

V -

Neste círculo anti-horário

Luta escarnecida contra o relógio

– e contra todas as lógicas que petrificam a vida –

Não há lugar para profundo pesar e desespero

Pois o fechamento apenas traz à tona

– em todo seu esplendor –

As potências secretas do

(re) começar