Ideal

Há uniões que parecem nós.

Não são: são laços.

A casa lambuzada de sol

Provoca-me a ousadia de olhar sem procurar.

Não há tragédia.

É apenas um fim de melodia.

Relógio que houvesse agora marcaria a hora de se amarem as rosas.

O meu verso jaz sob as árvores de outros quintais.

Estão à sombra dos tempos alheios de tantos sábios e maestros.

Por isso ouve, ouve bem este canto de amor

Antes que se apague a última estrela.

Grava-o no coração,

Antes que se desfaçam as espirais líricas.

Amo-te... eis uma verdade em meu ser.

Uma verdade, ouve bem!

Tu a acolherás nas entranhas com a doçura melancólica

de quem sente o afago da última primavera.

Ouve bem, antes do fim de tudo.

A vida é tão curta!

A tua presença é a única luz que tenho

Para rasgar as trevas do mundo

E perseguir a trágica esperança

Que esvoaça como um pássaro cego

Nos poemas de Rilke.

Quisera ser o cheiro da terra

Pairando entre os cajueiros depois das chuvas de outubro,

A emoção de fraternidade que enobrece o homem ,

Quando ele sabe que vai morrer amanhã.

Quisera ser o momento de integração

Da mulher que entrega o peito ao filho pela primeira vez.

Quisera limpar o coração do lodo da longa vida

Para ser algo branco e sem palavras

Como a paixão dos adolescentes que estudam Português.

Então, merecer-te chegar em mim como navio ao porto.

Entretanto, rogo-te: não me dês muitas alegrias,

Nem faças com que eu goste muito desta vida.

Tornar-me-ias banal

E medíocre

E covarde

Pelo medo de perder-te.

O que quero de ti são feridas bem fundas,

Para que eu possa, ao regressar da Samaria,

Compreender e mitigar a agonia do irmão à beira da estrada.

Pois, apesar de tudo, está configurado o dia do perdão

E o futuro estabelece-se como ênclise no caminho:

Felicidade só se tece liricamente no compartilhar sumarento.

Flávia Melo
Enviado por Flávia Melo em 13/01/2009
Código do texto: T1383342
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