Horário nobre
Para tu que esperas irromper
a madre santa de tua mãe cativa
não verás mais do que a luz de poucos olhos
talvez um riso momentâneo de satisfação
atirarão teu corpo esquálido num caixote
e te darão os melhores recursos tirados
da última liquidação, da última boa vontade,
e crescerás
alheio ao atraso da tua própria inocência
brincando de bola, pés sujos no chão
esmolas te farão perito em quase nada
mas o riso estará lá
de criança
carregado de ternura e carência
sozinho
com teus amigos imaginários
leões, tigres, soldados, exércitos, casamentos
todos eles enfeitam a estante que não terás
mas apenas se calam no fundo da mente,
não viverás
ainda que as escolas te chamem em anúncios
bem intencionados
ou que campanhas estendam suas asas para teu nome quase
notório,
nunca viverás
mais que quinze anos, mais que sete vidas
várias delas perdeste dia-a-dia com falsos amigos
outras esvairam-se na fumaça de desvarios
tua vida será
consumada
numa manhã de quarta
com duas balas sem que ouças
grito, lamúria ou acusação
sem gravação de cena de novela com espectadores
olhando espantados a morte da atriz,
e olharás
num suspiro carregado de saudade
(da infância imaginada)
abafado pelo sangue sobre teus cabelos sujos
os que passam
sem chamar teu nome, sem dizer
nada
não viverás ...