Crônica da cidade de Natal
"Para que a gente escreve, se não é para juntar nossos pedacinhos?"
Eduardo Galeano
Ao pé do Morro
a alma se rende a beleza do dia que começa.
O sol, preguiçoso, reluta em aparecer entre as nuvens,
depois da chuva benfazeja da madrugada e
o encanto pela paisagem nasce com os pescadores,
que se revezam, no
arrastão da sobrevivência.
Movimentos sincronizados, balé de braços e
passos que afirmam a vida.
O encanto se alarga na alegria do vira-lata e de um menino que partilham uma bola achada no lixo e na singeleza de outro, que brinca com peixinhos.
Mas no coração que se alegra e se encanta
com o amanhecer da Esquina do Brasil,
uma tristeza que se instala, sorrateira, no olho que enxerga
para além da beleza aparente.
Olho que enxerga que na rede do pescador
vem mais que o minguado peixe, vem o lixo,
sinal da agressão que o homem protagoniza.
Enxerga a língua negra do esgoto que avança na areia, os rostos famélicos que esperam a partilha do pescado e
a criança catando o sustento na lixeira do luxuoso hotel.
E assim, refaço cada passo do caminho, pensando no quanto a realidade se sobreponhe ao idílio...
"A consciência é uma iluminação dolorosa"
Paulo Freire