O espaço vazio

Ele contemplava devaneios de madrugada

através da vidraça inquieta

e espezinhava-o a calma das solidões homéricas,

vez por outra

quadros na parede

paisagens multicores

convidavam-no a sair

e ver as avenidas,

mas não poderia

de modo algum

deixar seu casulo

sua prisão de contemplação do mundo

seu refúgio kafkiano silencioso,

ele olhava

poemas longos, infâncias, traumas, afagos

no gozo do choque, do congestionamento, da convulsão sináptica,

e seu corpo respondia prontamente

ao estímulo da dor

sem razão aparente,

abrir as janelas mas não sair

pensamentos sem definição, rumo, controle,

recanto das compulsões armazenadas.

Ele olhava

o transe de maio escorrer das narinas

o sangue de maio apressado nas artérias

não podia sair

não,

de modo algum confrontar o sol

já bastava a fornalha

de sua própria mente,

era seu prazer

contemplar pelas madrugadas

as galáxias e constelações

as estrelas de todas as grandezas

do seu quarto impenetrável de dormir ...