A primeira namorada

Daquelas palavras eu me lembro

eras que passaram

sonho nosso que se desfez em cinza,

ontem na rua

contemplei esquinas familiares, travessas onde nos saciávamos de beijos

ruas que morreram,

tudo num só lance

de repente teu rosto foi arrastado

tuas mãos se apagaram como rascunho de pintura mal feita

teu corpo se adiantou anos no futuro e se calou,

eu sei, fui sincero

mas bastou pouco

na verdade quase nada

foi só para que as lembranças torturassem a alma mais depressa,

daquelas palavras eu me lembro

mistério, desvelo, possibilidade

doze ou treze anos, sentimentos como vozes irrompendo em raiva

talvez fosse melhor não saber

o sentido pleno daquilo que tanto ansiávamos

talvez fosse melhor adormecermos na inocência

e fugir para longe

para a montanha mais alta (se lembra?)

bobagem

tudo passou tão depressa

hoje mal me lembro das tuas feições mais cotidianas

mal me lembro do teu nome ou da tua voz

na verdade nem quero mais me lembrar,

tomar os trens noturnos do esquecimento

e olhar as paisagens

isso é que eu quero

daquelas palavras eu me lembro

correr ficar sair

andar de mãos dadas em frente ao colégio

experimentar sensações, desejos, limites

até descobrir que tudo é cedo demais

nosso futuro é cedo demais

e tudo descansaria no mais imenso esquecimento,

obrigado pelo telefonema

mas deixei teus risos, tua foto disforme e velha

no esquecimento

sim, daquelas palavras eu me lembro

a fé que não era cega, o beijo frio, o abraço conveniente,

minha última carta de amor

atravessada na pele da garganta, ferindo, sangrando

deixe-me aqui com o céu que não se acaba ...