A torre
Haverá adoração de coisas
imagem ressequida, sórdido ídolo
haverá doença no pó do solo
carbúnculo maligno
de tantas vezes olhar o pregador na praça
folha de seda ao vento, mistério do profeta revelado
disparo contra os transeuntes alheados, bomba,
de certo vão conter a fúria dos elementos
com mísseis ocos de aço e leviandade,
haverá adoração de coisas
agora faço um poema para mim
não olhei para a procissão dos cegos
não orei pela comunhão dos pérfidos,
não chorei pela realização dos réprobos
de novo imagem sórdida
olho dissecado de barro palavra não ouvida,
a boca que tens não podes usar
antraz, aids, cartas de amor servidas em cólera,
de novo brutas faces enrijecidas ao vento
olhas para o tempo que te engolirá
amacias a carne futura, putrefata,
acalentas o sonho que serás sobre ti vencedor:
manhã de paz no mundo de agora
acordar com amigos, palavras, carinhos, felicidade
pensar as consecuções que te alcançarão jamais
boca trêmula recitando preces
olho iníquo resvalando sepulturas,
nestes tempos
faço poemas para mim
como caminhar para o abismo de olhos fechados?
como desenterrar esperanças sob lápides de horror?
nestes tempos se adoram coisas, homens, virgens, deuses, árvores e alucinações
se cultuam mortos com o mesmo fervor desencontrado com que se cultuam vivos
podemos
enfeitar nossa sala de estar com as crianças estripadas?
adornar nossa veste futurista com o sangue dos miseráveis?
por que faço poemas
senão para estancar hemorragias
redimir os condenados, declarar todas as batalhas
perdidas? ...