Sempre por todo lado, abrigado, desamparado
transito pelo possível
pelo que sonho, por tudo que desespero
meu mundo virou alcova de passantes
minha vida anda por aí, como bicho desencarnado...
A alma que me justifica, impressão digital
transmudou-se tanto depois de incontáveis alvoradas
que a juventude, hoje, é miragem desgastada
não sei se sou tão velho como deveria ser.
Gosto do gosto do café, do aroma dos cigarros
os tetos abobadados dos palácios, revistas de viagem
falam-me da Ásia, ideogramas e imperadores
do Celeste Império que anoiteceu.
Só me resta, enfim, estar por todo lado
por aí, aos poucos indo e esquecido
porque depois da minha extinção
nenhuma enciclopédia mencionará meu nome.
Sempre por aí, sim, enquanto houver função
para minha voz, meus gestos, meu ser e não ser
porque depois, ah! depois serão as asas dos anjos,
a Cidade Eterna ou o eterno abandono
as praças imensas do sono abissal.
Não me engano, não me poupo,
não acaricio mais o sonho
como se ele fosse um bicho de estimação.
Sempre por aí, vou indo...
e no mais, suspiro
por um bom prato de macarrão.