MEDO DE ESPELHO
MEDO DE ESPELHO
Sim, os civilizados temem os espelhos:
Ao singrar com um ou vários deles --- quando estão a transitar
Na rua --- os membros do eufemismo da opacidade
Temem-nos vivazmente.
Temem fixar-lhes detidamente o seu olhar;
Quando muito, os encaram esguelhadamente,
Mas, quase nunca terna e morosamente.
Ao que parece, eles temem
Contemplar a superfície transparente dos espelhos,
Camuflada em rutilante obtuosidade,
Porque, se a contemplasse, a boçal prole de Narciso
Almejaria prospectar as vísceras de sua interioridade:
E ao fazê-lo, ela levaria um incomensurável choque,
Pois encontraria, em seu âmago, a vítrea face da verdade.
Não, eles não os querem contemplar.
Na verdade, o que os prisioneiros do mundo perfeito anseiam
É varrê-los conforme fossem sujeira para baixo do tapete.
Sim, eles se desesperam por varrê-los: varrer seus espelhos.
Ah, porém saibam:
A cada seiva ceifada;
A cada lágrima vertida
A cada plaga submetida;
A cada depressão sofrida;
A cada dia que passa;
A cada evolução e revolução das máquinas,
Fica maior o ensejo de vocês se tornarem aquele de quem mais
Fogem.
JESSÉ BARBOSA DE OLIVEIRA