Devagar

Devagar me ensinaram a não correr perigo

A esquecer das dores

A trabalhar desde cedo

A dignar-se pelo labor sem pensar

Só o labor de suar

Fizeram-me acreditar

Que abateria o medo.

Sonhar era coisa de vadio

E aflito era coisa de ingrato

Provar que não era frio

Era locupletar-se com a família num domingo debruçado no prato

Quiseram assim, mas não conseguiram,

Deixaram escapar suas vísceras

Ao remédio destemido não mediram

As mínimas.

Choraram no seu tumulo

Mas continuaram sorrindo amarelo

E profundo.

Da vida à graça

A morte à desgraça.

não poderia ser diferente?

Alguém não poderia fazer o contrário?

Parar de botar banca de crente, otário,

e gritar aos pombos da praça

Que paz, não se mede com farsa,

paz se sustenta no temerário,

paz é alegria de ser livre

de não acorrentar-se nas provações

do príncipe.

De esquecer a medida improficua

Daquilo que não existe

Paz, é ver belo

o olho que chora triste.