Negro e Humano...

Oh! Tristes sombras que permeiam os ventos

Que sucumbem à luz junto às águas torrenciais

Não me jogue no fundo da amargura negra

Do balançar das naus em busca de um horizonte sem fim

Qual futuro me reserva este progresso?

E as almas acorrentadas

Em qual portinhola tem a chance de egresso?

A decadência leva adiante um processo tão reverso

Tão nu e rasgado das justiças e decências

Pendure-me à luz do sol e me destrua com chibatas

Faça-me no corpo de chaga em chagas

Cicatrizes seculares da escravidão infinita

E assim quem sabe eu possa ver na morte

A sorte que em vida ascender não pude

Senhor dos orixás e dos deuses escondidos

Jesus Cristo dos miseráveis onde se esconde?

Cada fé se desenlaçando em cada choro

Esboço

Colosso

Fosso

E madrugadas

Os morcegos são companhias insólitas

Representam ódios e descrenças

Enterrados nas entranhas das temperanças

De Zumbi à Lutherking

De Preta Gil à Rosa Parks

De Dona Zica à Bertha Lutz

Dancem por uma noite a minha valsa

Pela vida inteira o ritmo dos esqueletos

Venha pagodear nos nossos carnavais

Nosso tema é o negro matuto e malandro

Que na feira livre de domingo

Puxa seu carrinho e enche de papelão

[seu ganha pão]

As alegrias escondidas em pobres realezas

Esquinas

becos

vielas

sexos

E mães solteiras

Ninguém desfaz o riso debochado

Aí está o sentido de uma raça multicolorida

Miscigenação, segregação dos neoliberais

Onde mora a diferença que nos tornam tão iguais?

O Respeito virou tapa na cara do insolente

No poder da farda,

mata-mata no campeonato da PM

E aquele que fez do furto sua imensa vocação

Está esgueirado numa sociedade vil e sem retorno

Mas quem vai devolver sua vida roubada?

Lacrimogêneo não tem nada de festa nem festim

Não houve heroísmos, só os escudos da tropa de choque

Apenas mortos e feridos nos motins

[crianças, velhos e mulheres (não importa)]

A ponta de cima da pirâmide fala de altruísmo

Os suburbanos corações

Aqui da parte baixa gritam de "fomismo"

Apenas dores e martírios em cada gueto

O batuque, a cutilada, o som do preto

O que se vive, se come, se destrói sem condecorações

Cadê os sonhos em sonhos da terra prometida?

E o sol dos sóis que dissiparia nossa chuva?

Não existiu curva na derrapagem da história

Que outrora lindamente se perpetua de escarlate

De Despudor

Horror

Desigualdade

Insensatez

Hipocrisias

Guarde seu sorriso de piedade

E brinde comigo o gosto do meu sangue

Hoje é um dia de alforria e verdade

Entre tantas outras liberdades jaz fugazes

Vem a glória, o mérito e as comemorações

Do dia em que posso varrer a rua como gari

Para que os líderes não me pisoteiem como antes

Eu sou o neguinho que assiste a mangueira

Devoto do camponês menino pastoreiro

Nossa senzala hoje é mero campanário

Da Santo André de selva e pedras

Mesmo ao dissabor dos meus ancestrais...

Fevereiro, março, quaresma, no ano inteiro

Eu sou negro

Eu sou vivo

Eu sou humano

Aquele folgado do ônibus

Sou eu, o Eliel...

Arquiduque de Ignaros
Enviado por Arquiduque de Ignaros em 18/07/2008
Reeditado em 18/04/2009
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