Visão

Por centenas de anos

Guardei as flores como se fossem a vida

E ainda que a vida

Não tivesse me dado muito tempo

O que me recordo do pouco que vivi

É o que retrato por muito:

Centenas de anos.

Nunca neguei se quer uma palavra a cada flor

Eram todas minhas amantes

E uma sabia que eu amava a outra

Por entenderem que meu coração

É maior que qualquer palavra

Que um dia lhes dei

Uma noite,

Doce e tempestuosa noite,

Vi um menino que encharcava rosas mortas

E lhe disse:

Por que desperdiçar água

Se ainda podemos molhar as flores?

Olhou-me ele com o entendimento da vida do fundo de sua cegueira

Disse: Se eu pudesse ver, ó moço,

Certamente daria essa água que desperdiço à vida

E concordaria com cada palavra sua,

Visualizaria a morte; enfim, desistiria.

Mas não posso enxergar.

Então observe direito, pobre moço,

O que molho jamais esteve morto;

Perderam apenas o afeto de seus donos

E por isso suas pétalas estão secas

Se eu conseguir reanimá-las;

Sim, se eu puder brotar-lhes um novo motivo pra viver

Farei com que a água que tu agora ignoras

Valha a pena de ser jorrada

E somente assim valerá a pena ter vivido

Uma palavra que fosse

Não pude dizer nesse momento

Sai em silêncio.

Não canso de lembrar-me desse dia:

Saber que não só os olhos enxergam

É a forma mais completa de entender

A visão.