ESTUÁRIO DA ESPERANÇA

ESTUÁRIO DA ESPERANÇA

A bruma do fracasso sustém e pavimenta a estrada do meu cotidiano. Contemplo quase inerte o curso da vida fluir bem próximo de mim, embora nunca consiga de fato embarcar em seu

convés. Não, não que eu tenha a pretensão de intendê-lo, domar

o seu leme ao meu bel-prazer, não! Apenas queria estar presente a todo o roteiro da viagem: do começo ao fim.

Mas o quase, o quase sempre impertinente não me deixa nem sequer partir. Então, engendro formas de lográ-lo; mas lá está ele,

toda mão, um passo a frente: a me comediar caudalosamente.

Ele me alimenta a idéia, me faz erigir templos indicativos: castelos de certeza. Todavia, toda feita, qual não é a minha surpresa. Descubro-os matéria inerme, insólida, tênue. Não, não são alcáceres de rocha os meus castelos. O são de areia. Areia,

cujo leve sopro despretensioso faz com que ela se desmanche

inteira.

Sim, depreendo claramente agora.

O meu caminho é água em ebulição:

ele ferve, ferve, ferve até o sonho formar vapores,

que se dispersam para longe, longe do alcance da minha tátil

concreção. E a estrada: a estrada se transmuda plenamente

em vácuos inteiros de asfalto da saudade daquilo

que quase houve. Sim, ela se converte na malha

viária da abortagem: sim, me refiro áquela traiçoeira

das engrenagens da desilusão!

JESSÉ BARBOSA DE OLIVEIRA