O NOME DO RIO

Movem-me, há muito, lembranças

e, aos seus apelos

de esperança,

desci a escarpa lamosa

do rio;

pisei, nostálgico,

seu talude úmido e fértil,

dilúvio de saudades.

Garimpei estilhas da História,

ilusões cálidas, contidas,

em sonhos talhadas,

guardadas na memória.

Lá estavam, vívidos,

no passado,

o manto líquido vigoroso,

seu leito largo,

caudaloso, luzidio;

o retorcer da vida,

das roupas sujas,

às lavadeiras deixadas;

elas, diligentes,

fugiam à indigência

e cantarolavam,

cingidas as cabeças nuas,

como às ruas

vendiam cocadas;

heroicas mulheres anônimas,

invisíveis,

rolavam, indiferentes,

a pedra de Sísifo.

Outras, na fonte,

operavam à Tântalus,

e, nela, ganhavam

da vida as migalhas

no fundo do pântano.

Distingui barcos mercantis

suntuosos, repletos

e homens inquietos

embarcando charques.

Entre fardos de algodão e sal,

fiscais distintos

seguiam mensagens;

trazidas à margem,

latas de querosene

afrontavam, infrene, a escuridão,

o dia noturno anunciavam.

Regavam os estivadores,

ao suor do corpo,

a vida da cidade;

desciam, elegantes,

por escadas púrpuras,

em flutuantes vapores,

belas damas passeantes

de cavalheiros falantes

acompanhadas.

Vinham à capital

ampliar o quintal

cultural de Amarante.

Ao sol ardente, inclemente,

sobre o cais molhado,

com rótulos detalhados,

caixas de aguardente,

enfileiradas,

aguardavam clientes.

Barcos a vapor na rota fluvial,

cultuavam desigualdades

sociais,

indiferentes.

Ao noturno sereno, pernoitaram

incansáveis homens de tez escura

sobre as margens,

sob as ramagens folhosas;

na mata ciliar, descansavam

o corpo esguio;

sonhavam com a dignidade,

longínqua realidade,

esquálida utopia.

No corpo caudaloso,

pescadores jogavam as redes

e abraçavam a esperança.

Contudo,

permaneciam nas margens

lamacentas

do sonho impossível.

Alongavam a confiança

ao tamanho do sonho

de cada dia.

A garça branca,

em voo rasante,

trouxe-me ao presente:

nenhuma glória!

Permaneciam, ainda,

os homens às margens,

nenhuma ramagem

e uma triste história.

Vi, então, o rio

serpentear sobre o leito

comprimido, sinuoso,

reduzido

a líquidos filetes

rasos, tortuosos,

deslizando entre ilhas arenosas,

à baixa vazão, emergidas,

por instáveis florestas,

protegidas.

Um rio sem barcos

no assoalho líquido,

sem peixes nem sonhos,

sem homens nem vida;

somente pegadas

marcando-lhe as margens

sem sangue, feridas;

um rio em farrapos,

enfermo, esgotado,

o Parnaíba.

ALBINO VELOSO
Enviado por ALBINO VELOSO em 20/03/2024
Reeditado em 21/03/2024
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