O Sábio Sabiá

Em busca da sonhada companheira,

O sábio sabiá saiu sozinho,

Deixou a parentela num caminho,

Nos galhos duma doce laranjeira.

Voou sobre florestas, ribanceiras,

Montanhas e jardins, num céu marinho.

Voou até achá-la atrás de espinhos,

Nos galhos duma doce laranjeira.

Pousou como se fosse a vez primeira,

Rolando pelo espaço, em torvelinho,

Porém, cantou melhor que um canarinho

Nos galhos duma doce laranjeira.

A musa, tão arisca quão matreira,

Sentindo na barriga um friozinho,

Não pôde resistir ao calorzinho

Nos galhos duma doce laranjeira.

À beira duma alegre cachoeira,

O par de sabiás formou o ninho,

Usando só gravetos e musguinho,

Nos galhos duma doce laranjeira.

Depois, a graciosa brasileira,

No berço pôs ovinhos azulzinhos,

Ornados com salpicos marronzinhos,

Nos galhos duma doce laranjeira.

Catorze dias fez-se chocadeira,

Venceu a chuva, o sol e um gatinho,

Que sempre se metia de mansinho

Nos galhos duma doce laranjeira.

Por fim, a natureza aventureira,

Trincou a frágil casca um bocadinho;

Ao mundo veio um leve bebezinho,

Nos galhos duma doce laranjeira.

Os pais ignoravam a canseira:

Insetos, minhoquinhas e frutinhos,

Caçavam, sem cessar, ao glutãozinho

Nos galhos duma doce laranjeira.

A vida prosseguia rotineira,

O trio trocava abraços e beijinhos,

A paz sorria branca como o linho,

Nos galhos duma doce laranjeira.

Um dia, uma criança muito arteira,

De longe ouviu o som do burburinho

Provindo do pimpolho pobrezinho,

Nos galhos duma doce laranjeira.

A pedra se lançou da atiradeira,

Rasgou a flor, zuniu em desalinho...

O sangue gotejou devagarzinho

Nos galhos duma doce laranjeira.

Após matar a sede na ribeira,

O pai, ao regressar ao seu cantinho,

Achou que tudo estava mui quietinho

Nos galhos duma doce laranjeira.

Ao ver despedaçada a gafieira,

Provou o gosto amargo do azevinho,

Veneno misturado em doce vinho,

Nos galhos duma doce laranjeira.

Mas logo percebeu, numa clareira,

O grande malfeitor: um garotinho...

Então lhe disse assim, o coitadinho,

Nos galhos duma doce laranjeira:

"A Morte!... por acaso é brincadeira!?

Que males lhe causou o meu filhinho!?

Que a Vida o recompense, rapazinho,

Nos galhos duma doce laranjeira!"

Sumindo o capetinha na carreira,

Notou a mãe chegando rapidinho,

Trazendo, no seu bico, um presentinho,

Nos galhos duma doce laranjeira.

A dor a machucou de tal maneira,

Que às vezes jura ouvir o filhotinho

Chamando bem distante... bem fraquinho...

Nos galhos duma doce laranjeira.

Aquela cena feia e verdadeira,

Recordo, com pesar, no meu livrinho...

Ainda vejo o triste casalzinho

Nos galhos duma doce laranjeira.

E quando o sono some a noite inteira,

Lamento o que causei ao passarinho...

E sinto que eu morri (um pedacinho)

Nos galhos duma doce laranjeira.