CANÇÃO DO EXÍLIO RURAL – UM POEMA MUITO CONCRETO

Publicado em 4 de dezembro de 2015.

 

O sapo não coaxa no brejo

A abelha não visita flores

A minhoca não transita subterrâneos

O pássaro não pousa na árvore

 

O brejo está seco

A abelha tonta esqueceu-se de voltar

O sapo suicida banhou-se envenenado

A terra da minhoca espremeu-se

Socada pelas patas emborrachadas dos gigantes

Nem sinal dos preciosos anéis invertebrados

A árvore sumiu

O pássaro sobrevivente na urbe exilou-se

Antes dele foi-se o último dos humanos

 

Nos campos enfileiram-se canas adocicadas

Um mar de doçuras verdemente uniforme

Monotonia silenciosa

Uma única forma de vida

Verdejante solidão

Vez ou outra se quebra a monotonia

E o dinossauro de ferro devora

Cada colmo de cada cana

Um espetáculo pouco visto

Mas em casa os resultados disso recebo

O branco açúcar da minha anestésica ração

A comida do meu cavalo mecânico

 

Do alto deste edifício

Neste exílio concreto

Ponho-me a cismar

Minha terra sem palmeiras

Sem canto e sabe lá...

E as aves já não gorjeiam

Nem aqui

Nem acolá

 

Notas explicativas: 1) a mortandade de sapos e rãs denuncia a existência de poluição, pois são animais muito sensíveis; 2) as abelhas contaminadas por agrotóxicos perdem o radar biológico, não conseguem voltar à colmeia e acabam morrendo; 3) a diminuição de áreas arborizadas diminui a biodiversidade, com o desaparecimento de mamíferos, pássaros, répteis, insetos e espécies vegetais; 4) o uso de máquinas pesadas compacta o solo, o que dificulta a sobrevivência de insetos na sua superfície e impede a infiltração da água no subsolo, aumentando o escoamento superficial das chuvas e provocando a perda de solo (erosão).