QUANDO ERA RIO...
Alguém declarou: " mas isso era quando era rio"
Foi quando um poema me soou.
Houve um tempo que era rio.
E quando era rio, não era pedra.
Vinha no leito em fluxo de felicidade
Cristalino futuro de apenas ir...
Não era leito de saudade.
Porque ser rio é um presente seguir.
Era rio que não conhecia a aridez
Nem o medo do fogo das labaredas dos dragões...
Ah, e nem o dano das corrupções...
Era alegre vazão que só recebia a chuva cíclica,
Posto que era missão de raiz:
Paixão única era ser rio.
Apenas fluxo.
No tempo em que era rio
Ouvia ele todo o canto fresco da mata
O roçar dos respingos das asas espevitadas
Das araras brincantes mergulhadas nos orvalhos das manhãs.
Enxergava de longe
todos os ninhos recém chegados.
Toda a vida ao seu alcance.
Dizia que ser rio é ser berço reflexo
Das tímidas auroras entronadas
Onde os pincéis dos sóis a pino
Revezam paisagens de luzes nas telas
Com os lusco-fuscos que se cedem aos luares.
Ser rio é ser berço aos voares.
Quando se é rio de fluxo certo
Não se é fluxo de pedras.
Nunca se ouve o gemido da mata
Que arde em labaredas
Afugentando os tuiuiús resfolegantes
Pelas brisas ofuscadas por carbono.
É ser vida onde o vento levanta sopros
A ondular todos os respingos das seivas.
Eu o ouvi...
Que quando era rio...
Jamais vertera águas lamacentas
Recicladas em rejeitos dos rescaldos
Que chovem ácidas gotas que corroem vidas.
Era rio de doce sina,
De água mansa e cristalina
De vereda garantida.
Quando era rio
Era leito protegido com robustas florezinhas ciliares
Carinhosas mãos que lhe floriam em cores
Firme pelos caminhares...
Entre o borboletear das vidas.
Nunca, como rio, preveria a metamorfose inconcebível
Da sustentabilidade para não mais o ser.
Então,
Não lhe haveria urgência de ser o que era.
Nem indulgência!
Era rio, não era pedra.
Quando era rio
Jamais pensara verter lágrimas
Num silêncio seco, esfumaçado de aves em chamas
Duma biodiversidade em cinzas.
Tampouco como rio...
Jamais pensou em assistir toda dor da agonia desidratada
Na fumegante tragédia da vida morta
Em meio o rastelar do nada que sobrou da terra.
Quando era rio, era cascata de sonhos...
Era como ser criança
Sempre pronta para enveredar por histórias de se ser...
E continuar.
Então...se era rio
Sonhava só ser cachoeira
A quedar do seu platô mais alto
Num salto ávido de justiça e direito
De ser para sempre...leito que segue.
Hoje é rio de pedra.
Sequer tremula um chapinhar líquido
Do roçar dum vento de cinzas
Que lhe passa chamuscando
Sangrando pelo seu leito árido
Pulverizado de carbono.
Rio de pedra.
Corpo de delito dum tempo seco e documentado
Que perdeu o rumo de voltar a viver.
Epitáfio interrompido no verde cremado.
São dele os últimos versos de clemência.
Que todos... voltemos a ser rio.
Fluxo vivo que segue.
Sem o sombrio leito de pedras
-que nos sufoca e soterra!-
Qualquer possibilidade consciente
De verter vida pela Terra.
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Nota da autora: em sincera homenagem aos nossos biomas.