Fogueira
As luzes da praça pública
acendem e apagam
em temeridade às chamas que queimam
distantemente perto daqui
e declaram seu resplandecimento
com grande fúria e rubor, gritando,
gritando:
“Sou eu quem ilumina vossos olhos
quando a privativa engenhosidade humana falha
ordinariamente.
Sou eu o responsável por aquecer vossas peles
muito antes das antenas parabólicas
serem inventadas.
Sou eu a mãe que alimenta vossas bocas
desde o primeiro animal morto pelas mãos
de um homem.
Sou eu, e tão somente eu, a figura filosófica
que transmite a verdadeira luz capaz
de principiar o jogo de sombras na infinita
penumbra cavernosa.
Direcionem sua atenção para mim.
Eu sou a própria história em movimento.
Minhas labaredas iniciaram e acompanharam
cada milênio de suas precárias evoluções.
Conheci e aqueci
cada integrante dessa extensa família genealógica
que os engloba.
Minhas múltiplas morfologias percorreram
os mais sombrios e lindos momentos que a terra
manteve até chegar neste exato momento em que lhes falta
a supra estabilidade para admirar a paisagem
estática e luminosa no instante em que a observam.
Vejam o que fiz e continuo fazendo para cobrir-lhes
a matéria nua feito casaco na tarde de inverno:
queimo, viro pó, renasço e grito mais alto ainda!”
Com tamanha exuberância declarou
as ardentes palavras
acabou por inflamar-se
em enormes chamas que foram reduzidas,
pouco a pouco,
a ínfimos destroços povoando a grama rala.
Meu corpo, inerte em meio ao espetáculo,
restou a fitá-lo detalhadamente,
aguardando o porvir...