RIO
Quando um poeta escreve a palavra rio
tente captar tudo que não foi dito
e até o que ele não pensou em dizer.
Rio significa fluxo, vida que passa,
água que corre, que evapora em nuvem,
que cai em chuva, que molha o chão,
que apodrece folhas, que se juntam com terra,
que alimenta minhocas, que fazem adubo,
que engravida semente que brota em árvore,
que cresce frondosa, faz sombra para os bichos
e onde passarinhos vêm cantar,
amar, fazer ninhos e filhotinhos,
que vão crescer e comer sementes,
que cairão na terra e ficarão prenhas
de vida com ajuda da água que vêm do rio,
que será renovado toda vez que o céu derramar água,
talvez a mesma água que já esteve nele
ou em outro rio que flui como ele.
O poeta não é dono da palavra,
ela é a maioral e manda nele,
assim como a água é dona do rio
e a vida é dona da água
que corre, molha, evapora, condensa
e derrama em chuva para o rio correr
e a vida seguir seu fluxo.
Mesmo que não consiga decifrá-los,
o poeta observa e intui os rios e mares e oceanos,
e estradas e trilhas e rotas e palavras
por onde a vida flui em águas e gente e poesia.
Então ele divulga o quebra-cabeças,
inteiro e desmontado,
que mentes e corações nunca conseguirão
montar em sua completude.