O Fantasma da Primavera
 
 
                        I   

Do seu pranto outrora derramado,
Sobre a relva rasgada como um pano,
Cresciam sementes temendo o machado.
Era o fogo; e não o sol – rei soberano –,
Que irradiava insensatez por todo lado,
Levando a cada borboleta um real dano.
Era no Florão da América suposta primavera,
A galopar com os anjos, fugindo da sua Fera.
 
                       II
 
Ao longe, um uirapuru que já tombava...
E sedento bebeu ele a sua própria agonia.
E o homem cuja ganância muito lhe cegava,
Era alheio à sua dor disfarçada em melodia,
Pois do outro lado seu sócio lobo já contava
Com a certeza do banquete em sua parceria.
Portanto, choram rios; queima a floresta inteira,
Lançando cinzas na mais tropical bandeira.
 
                     III
 
Parecia ecoar um verso do sábio Camões:
“Do velho Caos a tão confusa face;”
Era o abrasar entre rio Negro e Solimões
Atingindo cada língua antes que essa falasse.
Não se demorou, então, o grito das nações,
Que mais trouxe confusão pelo real disfarce.
Havia indignação do Criador à sua criatura,
Ao sentir na Amazônia incongruência pura.
 
                      IV
 
E deuses do Parnaso moveram-se em prece.
E o mundo dos poetas fez-se grande priorado.
Ações de ribeirinhos tinham peso de quermesse,
Na tentativa de salvar um bioma esganado.
E pelo jogo do prazer a quem nunca merece,
Sempre chora o inocente em prol do condenado(?).
Pois ali falava ao mundo um tuiuiú sozinho,
Contido em seu silêncio, expulso do seu ninho.
 
 
                       V
 
Muito cairá a lágrima dentro do sorriso,
Quando de cada aguapé só restar lembrança;
Nem o branco nem o índio mais será preciso
Afiar a sua morte na ponta duma lança.
Assim estará o inferno tão vizinho do paraíso
Quando o verbete morte assumir sua liderança.
Dos ricos mananciais, apenas um yrapé(*)
Na pobreza de um povo, a mais apoteótica fé.
 
 
                    VI
 
Primavera, perdão é a palavra chave,
Diante da brutal ação por demais sombria
Do homem – um ser racional tão grave –
Que muito veste a máscara pela covardia,
Que prefere a máquina à sagrada ave,
E muito desconhece o dom da empatia.
Perdão à fauna, à flora, água salgada e doce.
É o sopro do fantasma como se brisa fosse.
 
 
 
 
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(*) Do tupi-guarani, rego d`água.