A CORREDEIRA DAS ÁGUAS
As águas correm pelas pedras limosas,
limadas pelos anos e anos de escoamento,
lapidadas pelo fluxo de líquido puro,
algo calmo
na calmaria dos ventos.
Assim surgem essas águas cristalinas
nos nascedouros e nas minas,
que como todas as águas
iniciam-se límpidas.
Essas mesmas águas
depois se tornam águas que
conduzem gravetos, solo em grãos,
folhagem seca,
pólen em vida e
revelações da natureza.
Essas mesmas águas
depois se tornam águas que
conduzem dejetos, lixo humano,
amargando-se aos poucos em
restos de vida e
depressões da natureza.
Mas o fluxo prossegue,
como na verdade tudo
deve prosseguir, depurando
e sendo depurado, absorvendo
e sendo absolvido
pela Criação.
O fluxo prossegue e,
agora como tudo,
deve prosseguir e prossegue
turbilhonado
na inconstância do leito
pontiagudo, derivativo,
repleto de situações e desvios,
quedas e vórtices
e alguns redemoinhos.
Não há como parar
a corredeira,
mas as rodas-d’água
estão ativas no percurso,
com estrutura tosca,
captam a energia,
conduzem as forças,
produzem o objetivo.
Não há como parar
a corredeira,
mas a barragem
represa a água e a água
represa a esperança
que repousa no paramento
num acúmulo de energia
que faz girar turbinas,
faz gerar eletricidade,
faz criar luz.
Assim prossegue a corredeira
que não há como parar,
pois sempre após uma barragem
surge uma bacia,
dissipando,
retornando a calma ao fluxo,
retonificando a fonte de energia.
Não há como parar
a corredeira,
após a bacia, o fluxo
volta-se forte,
volta-se turbulento,
depura o dejeto,
produz objeto,
ara nova terra,
encontra nova barragem,
clareia nova treva.
Não há como parar
a corredeira,
e não há como
a corredeira
observar as paragens
por ela formadas,
só lhe resta prosseguir
e prosseguir
energizando e sendo
energizada e sendo
consumida em luz.
Não há como parar
a corredeira,
assim como
não há como parar
a roda da vida,
até que
uma energia maior
evapore a água,
até que
uma energia enorme
a transforme
em estado sutil,
até que
a evolução dos fatos
a faça condensar
de novo
no nascedouro
de um novo fluxo.