araucária ii
os macacos, saguis, doidivanas
rasgam os pinhões
tal se fossem bananas
a casca toda lanhada
resta assim violada
papagaios, tuins, maritacas
destroem-nos aos gritos
bicos possantes e curvos
esgarçam as fibras quebradas
as pacas, cutias, esquilos
roem dentes afiados
jazem os invólucros
ocos e perfurados
as gralhas, dizem,
mas seriam de fato os ratos,
enterram íntegro o grão
comete-se o milagre
da germinação,
a vida renasce nos matos
a suçuarana e os gatos
espreitam a bicharada
algazarra a carnuda castanha
e dentre os mais distraídos
predam sua parte
a caça sacia a sanha
sapecada no vão da noite
a grimpa crepita conjuras
incinera as cismas dos cabras
brutos de tantas lonjuras
amansa-os a maciez
das semiassadas sementes
vagueiam no braseiro
rubros gravetos e nós
incandescem um instante
as crendices dos descrentes
e lá do alto dossel
os braços abertos ao léu
a árvore, impassível, madura
as pinhas a tombar ao chão
rebentam na vinda do inverno
proveem o pródigo grão
os bichos não vão ter fome
nem o tal bicho-homem
bugre ou de vária nação
a aldear-se aos seus pés
palhoça ou morada de tábuas
do tronco enfim abatido
desdobrado é fogo e abrigo
a vida assim vai lograr
a rudeza da térrea lida
o exílio no ermo da ermida
o frio rigor da estação
Publicado no livro "gestação caosmopolita" (2014).