UM RIO DE AMOR

Do rio Tietê,

eu não admiro o brilho do sol sobre suas águas.

Não me parece bela

a cidade agora luminosa sobre essa borracheira,

(anoiteceu contaminada).

Não me assustam as trilhas dos faróis

a correr em marginais de asfalto,

( neôns roncadores em trajetos quase líquidos),

pois o rio ainda é um lutador.

Esse onde escavam o leito

a procurar o esterco inodoro, o chorume imemorial,

o dejeto magnífico.

Não me vale também o testemunho,

dos que percebem o esgoto a céu aberto

para a morte do rio,

quando dizem, após o mercúrio denso

que por ali cedeu :

O rio foi um metal de transição nesse mundo

e por isso se findou!

O que me importa

é o ainda rio.

O rio em sua miragem liquida,

fluídica

- admirável como o traço azul

sobre o mapa imaginário da cidade –

e no ainda rio, flutua uma pérola.

Não é bem uma pérola que flutua,

mas o nariz encerado

de uma capivara viva.

DO LIVRO: "A CIDADE POSSÍVEL"

Paulo Fontenelle de Araujo
Enviado por Paulo Fontenelle de Araujo em 28/02/2018
Reeditado em 28/10/2023
Código do texto: T6266824
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